A ESTRELA MAIS BRILHANTE EM PARIS
Enquanto metade do mundo gastou saliva à toa porque não entendia nada de arte e mitologia (e se ofendeu a troco de nada), a Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 terminou no topo, com a impecável performance de “Hymne A L’Amour (Hymne à l’amour)”, canção eternizada por Édith Piaf e impecavelmente interpretada pela cantora canadense Céline Dion.
Por si, essa performance já é histórica. Entra para a eternidade pela forma perfeita que Dion interpretou uma das mais conhecidas canções da história.
Mas tudo toma tons ainda mais impactantes quando olhamos para todas as camadas dos últimos anos da vida de uma das maiores cantoras de todos os tempos que, neste momento, luta com as forças que restam em seu corpo para seguir cantando.
Céline Dion sofre da Síndrome de Pessoa Rígida há décadas, mas só recebeu esse diagnóstico em 2022. A enfermidade causa rigidez muscular que só piora com o passar do tempo, e normalmente acontece em pessoas com diabetes tipo 1, certas doenças autoimunes ou certos tipos de câncer.
O documentário “Eu Sou: Céline Dion” fala especificamente sobre esse período em que a cantora luta contra essa doença, que não apenas afeta toda a sua musculatura, mas também as cordas vocais. Gravar uma única música se tornou um esforço descomunal para ela.
E a Síndrome de Pessoa Rígida é apenas mais um desafio na vida de uma mulher que teve que abandonar a carreira por duas vezes para cuidar de um marido vítima de câncer.
A vida desafia Céline Dion o tempo todo, mostrando que ter uma das músicas mais reproduzidas da história (“My Heart Will Go On”, da trilha sonora do filme “Titanic”) é nada perto do que você precisa passar para apenas e simplesmente continuar a cantar.
No documentário, Dion mostra de forma explícita o que a Síndrome de Pessoa Rígida está fazendo com o seu corpo, e o quanto ela está lutando de forma incondicional e quase obsessiva para continuar a sua carreira.
Para quem vai assistir, recomendo um certo preparo prévio, pois são cenas fortes.
A boa notícia é que o tratamento está funcionando. Tanto, que após quatro anos sem performances ao vivo, ela entregou a perfeição naquela performance em Paris.
Aliás, naquele momento, Céline Dion estava realizando dois objetivos: conhecer a Torre Eiffel e voltar a cantar.
Só não imaginou que faria os dois…
…e que a Torre Eiffel seria o seu palco para que seu talento voltasse a brilhar.
Diante de todo o contexto estabelecido, “Hymne A L’Amour” foi a canção perfeita, por vários motivos.
Homenagear a maior cantora francesa da história só poderia ser feito por um talento do quilate de Céline Dion. Nenhuma pessoa no planeta poderia fazer isso da mesma forma.
Cantar uma letra que, de certo modo, fala também do amor ao esporte. Na cidade que viu os Jogos Olímpicos da Era Moderna nascer em conceito, foi o recado final e definitivo de que todos que ali estão e vão acompanhar as competições ao redor do mundo estavam recebendo a todos com o mais profundo amor possível.
E com os eventos que testemunhamos até aqui, os Jogos Olímpicos de Paris 2024 é uma devoção de amor ao esporte por parte dos atletas. Preste atenção nas entrevistas após as competições, e você vai perceber que todos entregaram uma vida para ter o direito de, ao menos, competir.
E… para Céline Dion…
“Hymne A L’Amour” é a sua declaração de amor ao direito de seguir cantando. Mesmo com o seu corpo não mais respondendo ao seu desejo de emitir as notas. É preciso ser muito insensível para não perceber que Céline cuidou de cada nota como se fosse dela.
Como um grande amor na vida. O mais profundo amor que um ser humano pode sentir.
Confesso que Céline Dion não era uma das minhas cantoras preferidas na juventude. Mas a vida adulta me fez perceber que, na verdade, eu estava mesmo é de saco cheio de “My Heart Will Go On”.
O tempo, o jornalismo e a visão mais ampla que absorvemos na vida nos faz perceber que os artistas que amamos (ou amamos odiar) são, no final, pessoas com talentos extraordinários, mas humanos por essência.
Cantores só fazem música porque sentem a música como eu e você. Porque entendem que a grande missão na vida é conversar com os sentimentos de quem ouve.
Ou no meu caso, me fazer chorar copiosamente, por ter a consciência de todo o esforço que aquela mulher de 55 anos, com diagnóstico de Síndrome de Pessoa Rígida, estava fazendo para interpretar, de forma impecável, “Hymne A L’Amour”.
São por momentos como esse que faço música.
Sou um privilegiado por ver essa performance. Mais ainda por saber as motivações por traz daquela interpretação.
Por entender que, muito além das notas, existe o que a própria Céline Dion deixou bem claro em seu documentário, e que serve de lição para que eu não desista na minha missão em oferecer o que há de melhor em mim através da música:
“Se eu não puder correr, vou caminhar. Se não puder caminhar, vou engatinhar. Mas a verdade, é que não vou parar.”
Na verdade, Céline Dion está, basicamente, vivendo o que cantou um dia.
Em 1999, Dion lançou aquela que era a minha canção preferida de sua discografia: “That’s The Way It Is”. Hoje, 25 anos depois, ela vivencia cada palavra dessa música.
Convido você a ouvir a canção (deixei o link abaixo) e entender do que estou falando.
Sim. Eu escrevi “ERA a minha canção preferida”.
“Hymne A L’Amour” tomou o seu lugar.
Através da voz da estrela mais brilhante em Paris.