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“Anora” consolida Mikey Madison, em uma performance disruptiva

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Pegue a história do filme “Uma Linda Mulher”, coloque essa história de ponta a cabeça, coloque uma família de russos disfuncionais, mexa muito bem e com o tom de sensualidade dos movimentos do corpo de Mikey Madison… e você tem um dos filmes mais ousados de 2024.

“Anora”, drama escrito e dirigido por Sean Baker, explora temas como poder, identidade e relações complexas. É uma narrativa multifacetada que desafia os contos de fadas tradicionais, oferecendo uma visão crítica sobre a realidade das relações e o impacto do poder econômico nos indivíduos e nesses envolvimentos.

Não é o filme mais fácil para se assistir entre os indicados a Melhor Filme no Oscar 2025, mas é uma das melhores histórias. E Mikey Madison foi escolhida a dedo para ser a pessoa a conduzir essa narrativa, com um timing perfeito de provocação.

 

Do que se trata?

A história segue Ani (Mikey Madison), uma jovem stripper que trabalha em um clube noturno no Brooklyn. Sua vida muda drasticamente quando ela conhece Vanya (Mark Eydelshteyn), um jovem herdeiro russo de 21 anos, em um clube de strip-tease, onde ela é contratada para atendê-lo exclusivamente devido à sua habilidade em falar russo.

Inicialmente, o relacionamento é estritamente profissional, mas logo se transforma em algo mais pessoal, pela conexão e espontaneidade que a dupla demonstra um pelo outro.

Após uma semana de luxo e festas em Las Vegas, Vanya propõe casamento a Ani, com o objetivo de obter um green card e escapar das pressões de seus pais para retornar à Rússia e assumir responsabilidades na empresa familiar.

Ani aceita o casamento (é claro), já que é a via mais rápida e fácil para abandonar a sua antiga vida de stripper.

O problema é que Vanya (obviamente) “se esquece” de informar aos pais sobre o seu casamento com Ani. E quando os patriarcas da família Zakharov descobrem sobre a decisão do filho, não ficam nada feliz com isso, tomando providências drásticas para anular essa união.

 

Por que “Anora” é disruptivo?

Porque foge do estereótipo de história de amor romântico e do “felizes para sempre”. É um filme que mostra a realidade tão crua (e, literalmente, nua), que até me surpreende ver essa história como uma das indicadas a Melhor Filme do Oscar 2025.

E digo isso sem questionar a qualidade do filme, que é excelente. Faço a afirmação com base no histórico conservador dos membros da Academia de Hollywood.

Por outro lado, não ignoro o fato de que essa mesma Hollywood está se renovando e se abrindo para histórias com narrativas diferenciadas e ousadas, e “Anora” pode muito bem ser visto como um exemplo dessa transformação.

O filme explora a influência do dinheiro e do poder na vida das pessoas, destacando como esses fatores podem causar danos significativos. A hierarquia de poder é claramente estabelecida, com a família Zakharov no topo e Ani no ponto mais baixo da escala, o que determina a maioria das decisões dos protagonistas ao longo da história.

Aliás, a própria Ani (ou Anora, como é o seu nome de registro) se dá conta de que, na prática, ela está na posição mais baixa dessa pirâmide, já que é tratada o tempo todo como escória por Vanya e sua família.

Uma vez que Vanya nunca teve a real intenção de bancar sua decisão do casamento e só fez o que fez apenas para irritar os seus pais (o que é coerente, considerando o perfil geral do personagem), Ani passa passa por um processo de autoconsciência.

Ela entende perfeitamente (e da pior forma possível) qual é o seu lugar na sociedade e a natureza de seu relacionamento com Vanya. Ani é uma personagem ambígua, ao mesmo tempo oportunista e ingênua, e paga pelas consequências de suas escolhas.

Ao mesmo tempo, os próprios conflitos que Ani enfrenta no filme é uma grande metáfora visual sobre como ela, como mulher e classificada como prostituta o tempo todo (mesmo não sendo – ela é stripper), tem que lutar o tempo todo.

Já o moleque rico e mimado pelos pais pode simplesmente fugir, quando deveria ficar e bancar posição sobre algo que ele poderia sim fazer com a sua própria vida.

O filme termina com Ani enfrentando uma dura realidade, mas também com uma nova perspectiva sobre si mesma e seu lugar no mundo. Deixa um final em aberto justamente para que o espectador possa refletir com ênfase na jornada, e não no ponto de chegada.

“Anora” se torna um filme ainda maior quando consegue equilibrar de forma criativa a comédia e tensão, subvertendo expectativas ao apresentar personagens complexos e não estereotipados.

Os capangas da família Zakharov são sim intimidadores e ameaçadores. E, ao mesmo tempo, naturalmente atrapalhados, tomando decisões estúpidas e, em alguns casos, sendo humilhados por uma Ani que está lutando pela própria sobrevivência (e pelo casamento que ela ainda acreditava ter com Vanya).

O alívio cômico no filme existe, mas passa bem longe de ser piadas estúpidas e infantis, como testemunhamos em alguns dos filmes da Marve Studios.

Por fim… Mikey Madison.

Mikey já era uma atriz em ascensão em Hollywood, e a Ani de “Anora” foi escrita por Sean Baker especialmente para ela. Em retribuição, a atriz se joga para o personagem de corpo e alma, em uma performance intensa, ousada e explorando os limites para entregar autenticidade à sua personagem.

“Anora” é o filme da Mikey Madison, que mereceu sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Se ela vencer o Oscar 2025, pode ser considerada uma surpresa para quem não viu o seu desempenho no filme. Por outro lado, será merecido: ela é o centro das atenções, e um ponto fora da curva entre as indicadas.

Vá ver “Anora” sem medo, mesmo sendo um filme um pouco mais lento do que você pode esperar. É filme diferente dos outros, e muito diferente do que você espera no avançar de sua história, com um final imprevisível e, ao mesmo tempo, crível.


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