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O Menino e a Garça (2023) é mais uma poesia de Hayao Miyazaki em forma de filme

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Qual é a sua relação com a morte? Como você lidou com a perda de alguém que você ama? Como você trabalhou em sua essência o processo de luto e reconstrução em função da dor da perda?

“O Menino e a Garça”, filme do gênio Hayao Miyazaki, tem enorme potencial para ser o último ato de um dos principais (se não for o mais importante) diretores de animação da história do cinema. Foi a obra que o retirou da aposentadoria, após mais 10 anos sem produzir nada para o Studio Ghibli.

Alguns acreditam que essa obra final é uma espécie de missão que precisava ser concluída, já que o filme aborda questões profundas e reflexivas típicas de quem concluiu uma jornada de vida. Porém, para alguém como eu, que está na metade de uma existência (gosto de acreditar que já estou no segundo tempo desse jogo metafórico), o processo de imersão no surrealismo de Miyazaki é um convite inevitável para a revisão e reformulação de conceitos existenciais.

Para qualquer criança de 12 anos de idade, a dor do luto é profunda e complexa. Transmutamos a dor das mais diferentes formas, indo do silêncio e do desprezo ao próximo até a autoflagelação para evitar que outros nos machuquem ainda mais, passando pela distorção e manipulação de narrativa para sensibilizar aqueles que estão cuidando de nós.

O que não se espera é que a vida ao nosso redor, que está vendo e ouvindo tudo o que fazemos, ofereça a possibilidade de reparação da dor em uma jornada fantástica e quase lisérgica, em busca daquilo que até queremos, mas que sabemos que não vamos encontrar. Acreditar que podemos encontrar aquele que já partiu através do desconhecido pode resultar em uma jornada de redescobrimento fascinante, onde aprendemos mais sobre nós mesmos nos mais diferentes aspectos.

Filmes como “O Menino e a Garça” conversam com nossa alma de forma tão profunda e significativa, que o estranho ou o inusitado se torna o mundo fantástico e reconfortante. Para pessoas como eu, que enxergam o mundo por uma perspectiva considerada absurda pela maioria dos meros mortais, a narrativa de Miyazaki é acolhedora.

Hayao Miazaki, mais uma vez, entregou uma poesia em forma de filme. Combinar a estética que é a sua assinatura em desenhos 2D (e que influenciou tudo o que veio depois em termos de animação japonesa para cinema e TV) com os traços que simbolizam os diferentes momentos das histórias e tradições milenares japonesas é uma forma de mostrar um profundo respeito ao passado, mas deixando identidade artística e visão autoral.

E toda a jornada apresentada em “O Menino e a Garça” é mais um espetacular exemplo de que pessoas envelhecem, mas visões de mundo baseadas em uma perspectiva inovadora e sensível se mantém intactas. Até porque Miyazaki consegue colocar referências literárias históricas neste filme, como “O Pequeno Príncipe”, “Branca de Neve e os Sete Anões” e “Alice no País das Maravilhas”, além de flertar com o tão moderno e mais do que explorado conceito do Multiverso.

A essa altura do artigo, você já pode imaginar que “O Menino e a Garça” não é um filme para gente burra. É preciso ter um certo intelecto, um relativo conhecimento da cultura japonesa e procurar as nuances e diferentes camadas que essa história oferece ao longo de sua jornada. São várias referências visuais que atuam como dicas para onde a história está caminhando.

E até mesmo aqueles que conseguem conectar os pontos do roteiro vão se surpreender com o final do filme, já que o fim da jornada deixa lições profundas através de metáforas e referências que confirmam o quão especial Miyazaki é para contar essa história dessa forma.

Só posso agradecer ao gênio Hayao Miyazaki por tudo o que ele me entregou de bom com “O Menino e a Garça”. É um filme que te abraça com toda a força, e não te solta. Com a coragem de ser e ver o mundo de forma diferente, recebemos um filme que vai além dos limites de explicar conceitos complexos sobre a vida e a nossa relação com a morte, desafiando o espectador a refletir e reformular tais ideias para, com alguma sorte, construir algo novo em seu pequeno universo particular.

O “O Menino e a Garça” é um dos melhores filmes de 2023. Com sobras. Com muita facilidade. E isso é tudo o que eu tenho a dizer.


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@oEduardoMoreira