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Beasts of No Nation (2015) | Cinema em Review

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Os horrores da guerra que nós não vemos. A política que consegue ser mais corrupta que a nossa. Uma infância inteira se perdendo por conta do egoísmo e insensibilidade de homens que matam por muito pouco.

Beasts of No Nation é o primeiro longa metragem original da Netflix, que há tempos entendeu que a fórmula do sucesso de sua plataforma está nas produções originais, e não necessariamente na oferta de conteúdos já exibidos em outras mídias. Só que dessa vez, eles dão um passo além. Não apenas em apresentar o maior investimento da plataforma (até agora) em um produto de entretenimento, mas também por lançar esse filme tanto por streaming como nos cinemas tradicionais.

O filme recebeu três indicações no 72º Festival de Cinema de Veneza, onde o jovem Abraham Attah levou o prêmio Marcello Mastroianni por sua interpretação do protagonista Agu. E por ser um filme que vai entrar no circuito tradicional dos cinemas, não será nenhum espanto ou surpresa se ele receber alguma indicação ao Oscar 2016. Até porque motivos para isso não faltam.

Beasts of No Nation fala de um país africano qualquer (o nome não foi revelado), que vive em plena guerra civil. Agu é uma criança que simplesmente quer viver sua vida com seus pais e brincar, sempre que possível. Isso é possível porque a sua região é protegida por tropas que tentam manter o controle de tudo. Porém, quando o governo do país cai, tomado pelas tropas rebeldes, Agu e sua família precisam sair dali, por entender que isso não é mais seguro.

Na tentativa de fuga, Agu, seu pai e sua família fica para trás, e as tropas rebeldes capturam os retardatários. Antes de ser executado, o pai de Agu fala para ele e seu irmão fugirem. O irmão de Agu morre na tentativa de fuga, mas nosso protagonista consegue fugir. Em compensação, uma guerrilha armada rebelde acaba encontrando o garoto, e o adota para suas tropas.

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Essa guerrilha é liderada pelo “O Comandante” (Idris Elba), que submete Agu à um processo de inicialização brutal e violento, com o objetivo de torná-lo o lider de sua milícia. Ao longo do filme, o jovem sera forjado a ser mentalmente mais forte, mas de tempos em tempos ele se depara com o passado que á viveu, e com o desejo de voltar a ser uma criança normal. Ao mesmo tempo, com o avançar do conflito, e com o seu envolvimento cada vez mais profundo com a morte e o cenário de horror, vemos como Agu luta para não deixar morrer a sua humanidade, se tornando apenas um objeto da morte por uma causa que ele não consegue compreender, até mesmo por causa de sua pouca idade.

Na verdade, Agu entende uma coisa: que ele só entrou nesse conflito por ter a esperança no seu coração de reencontrar a sua mãe, que foi separada dele quando as forças rebeldes dominaram o país.

O filme também mostra como a política do país pode ser corrupta na hora de se envolver no conflito. Quem está no poder não toma qualquer tipo de medida para que o conflito seja resolvido (também, não possui recursos para isso), e acaba negociando com os diversos lados envolvidos. Mostrando que quando o interesse existe, os que contam com o poder negociam até com os criminosos.

Beasts of No Nation é um relato chocante de uma realidade que a maioria do mundo não vê. Crianças envolvidas em zonas de conflito, sendo usadas como escudo humano ou máquinas de combate. A narração de Agu sobre o conflito torna tudo ainda mais dramático e triste. Até porque é uma interpretação muito honesta e sincera de Abraham Attah. Você realmente se importa com os seus testemunhos, sofre com as situações onde ele é inserido contra a sua vontade, e termina o filme com o coração dilacerado com tudo o que aconteceu.

Não resta a menor dúvida que Beasts of No Nation é o maior investimento da história da Netflix (até agora) em uma produção original (US$ 6 milhões). Se você ficou impressionado com o trabalho feito em Narcos no que se refere à produção e ambientação, o filme de Cary Jodi Fukunaga vai te deixar ainda mais embasbacado. Rodado em Ghana, a maior parte das cenas foram gravadas no meio da mata, ou em comunidades locais. Ou seja, é uma ambientação 100% imersiva, onde você quase não vê cenas de estúdios hollywoodianos.

As cenas são absurdamente realistas e chocantes. Beasts of No Nation não é um filme fácil de se ver. Mulheres sendo estupradas, várias cenas de morte, crianças atirando em adultos, crianças espancando um recém-nascido que está chorando de fome, e crianças consumindo drogas. Estas são algumas coisas que o filme mostra para narrar o quão terrível é a situação do local. Mas esta é a ideia do filme: chocar, mexer com o íntimo de cada um, e mostrar uma realidade que muitos não conhecem. Outros tantos não querem ver.

O filme tem uma narrativa envolvente e ágil. As 2h17 de duração passam correndo, e o envolvimento com os eventos apresentados é tão grande, que o telespectador jamais vai achar um filme como esse longo ou arrastado. Aliás, o próprio plot em si impede isso. Também vai o destaque para momentos pontuais da edição e produção, com detalhes de fotografia que ajudam a ilustrar ainda mais o sentimento de horror de Abu e dos demais envolvidos, com o uso pontual da cor vermelha em determinadas cenas.

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Nem preciso destacar Idris Elba no filme, mas temos que fazê-lo, senão, não faz sentido.  Elba já é muito elogiado pela crítica e pelo público por conta de sua dedicação aos papéis que recebe, e nesse filme, isso não foi diferente. Porém, entendo que para a proposta apresentada, todo o elenco está simplesmente impecável, principalmente o elenco mirim. É preciso ser mentalmente forte para interpretar um cenário tão triste e desolador.

Beasts of No Nation levanta no telespectador questões morais, conceituais e políticas que não nos fazemos todos os dias. Não se limita a levantar a discussão sobre quem é o bonzinho ou quem é o vilão, ou por que eles estão lutando. Aliás, é um dos poucos filmes que mostram o cenário de conflito na África onde nem as Nações Unidas, nem os Estados Unidos, nem qualquer grande potência europeia aparece para resolver o conflito. Não existe o país “salvador do mundo” nesse cenário. Os eventos e acontecimentos precisam se resolver por si, pelo próprio conflito.

É um filme que não se limita a mostrar a dor de um conflito. Expõe à carne viva o horror que muitas crianças passam nessas regiões. Em terras sem lei, em pleno século 21. A maioria de nós passou uma infância e adolescência longe de tudo isso, sem conhecer essa faceta cruel de parte da humanidade, que entende que o poder a todo custo é o que realmente importa. Mesmo que seja para controlar quem não tem praticamente neda.

Beasts of No Nation é um favor que você faz para o seu caráter. Um filme excelente.

 


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@oEduardoMoreira