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“Boa Sorte, Leo Grande” (2022), a terapia sexual para a mulher madura

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Um filme que, com um humor sutil e inteligente, fala de temas tão próximos da mulher madura, que algumas delas com certeza vão pensar que o roteiro foi escrito baseado em suas próprias existências.

Levei tempo demais para escrever sobre “Boa Sorte, Leo Grande”, comédia dramática dirigido por Sophie Hyde e lançado em 2022. Muito provavelmente fiz isso poque queria que algumas das mulheres maduras que conheço e me relaciono tivessem contato com o filme, pois sabia que elas iriam se reconhecer nas situações apresentadas.

E essa é uma experiência cinematográfica tão simples e fantástica, que faz várias das produções da Netflix claramente voltadas para as mulheres com 60+ parecerem fanfics escritas pelo ChatGPT.

 

Do que se trata?

A história gira em torno de Nancy Stokes, interpretada por Emma Thompson, uma professora aposentada de 55 anos que, após a morte de seu marido, decide buscar uma experiência sexual que nunca teve.

Apesar de ter levado uma vida aparentemente satisfatória, Nancy sente que sua vida sexual foi insatisfatória, já que nunca experimentou um orgasmo.

Determinada a mudar isso, ela contrata Leo Grande (Daryl McCormack), um jovem trabalhador do sexo, para passar uma noite com ela em um hotel.

O encontro é inicialmente tenso e cheio de expectativas. Nancy é uma mulher que carrega consigo preconceitos e inseguranças sobre sua sexualidade e corpo, enquanto Leo é atencioso e gentil, pronto para ajudá-la a explorar sua sexualidade de maneira segura e prazerosa.

Ao longo da noite, os dois personagens estabelecem uma conexão inesperada, que vai além do físico na interação, já que compartilham diálogos profundos sobre suas vidas, desejos e inseguranças.

Nancy começa a se libertar de seus bloqueios morais e sociais, enquanto Leo revela suas próprias vulnerabilidades. A dinâmica cria um espaço seguro para que a protagonista possa se redescobrir e desafiar os tabus que cercam a sexualidade feminina na sociedade contemporânea.

 

Por que “Boa Sorte, Leo Grande” é sensacional

O filme aborda temas como a busca por prazer na terceira idade, a aceitação do próprio corpo e as complexidades das relações humanas. E esses são temas que se tornaram presentes na realidade prática da mulher madura.

Ao longo de toda uma vida, a esmagadora maioria das mulheres que hoje estão entre os 60 e 80 anos viveram em um mundo majoritariamente patriarcal, com visões machistas e misóginas.

E de forma quase implacável, reduz desde sempre o papel da mulher à esposa, dona de casa e mãe. E todo esse padrão estabelecido por uma sociedade que privilegia os homens praticamente anula a mulher nos aspectos sexuais.

Quando uma mulher chega na casa dos 60 anos, conclui por si que a sua vida sexual foi “uma grande porcaria”, e não é incomum perceber que nunca soube o que era o verdadeiro prazer dentro do casamento.

E a evolução natural da sociedade, onde as mulheres saem para trabalhar e alcançam a independência financeira, abre o espaço para que, na maturidade, elas escolham parceiros e explorem sua sexualidade de forma plena.

Emma Thompson foi escolhida à dedo para o papel de Nancy em “Boa Sorte, Leo Grande”, pois não modificou o seu corpo para se manter em Hollywood. Ela mantém as linhas de expressão, seios caídos, uma pequena barriga e quadris largos.

E essa é a ideia: aproximar Nancy das mulheres maduras reais. Da maioria das mulheres com 60 anos ou mais, que são complexadas com o seu corpo, que sofrem de autoaceitação, que se prendem pelos tabus e preconceitos.

Que só conseguem se liberar de forma plena para o prazer quando quebram a última algema que as prendem: a hipocrisia.

“Boa Sorte, Leo Grande” é sensacional porque oferece uma divertida e profunda reflexão sobre a complexidade da mulher madura para um tema que ainda é tabu para as gerações mais velhas: o sexo pelo prazer.

Acredito que essa tendência vai mudar com o passar do tempo, pois aquelas que eu chamo de “as filhas de Woodstock” (quem tinha entre 15 e 20 anos no final da década de 1960) estão chegando para mudar as regras do jogo.

Já é uma realidade prática ver cada vez mais as mulheres maduras procurando homens BEM MAIS JOVENS para relacionamentos onde a base de tudo não é exatamente o romance ou a proximidade afetiva, mas sim a satisfação sexual que, eventualmente, abre as portas para um sentimento mais profundo.

Quando historicamente as mulheres foram ensinadas a se apaixonar primeiro pelos seus maridos para depois descobrirem que serão infelizes no sexo, hoje acontece exatamente o contrário: as mulheres maduras estão entendendo que o prazer sexual é sinônimo de felicidade e realização pessoal.

E qualquer mulher que está feliz, independentemente de sua idade, passa a amar aquela pessoa que lhe dá o prazer mais intenso, a feminilidade na essência. Ou a ideia que voltou a ser alguém que existe por completo.

A sexualidade de Nancy é descortinada com naturalidade e sutileza. É genuíno e autêntico. É tão orgânico, que se torna sexy: a feminilidade da protagonista vai se revelando aos poucos, como se cada peça de sua personalidade erótica fosse desnudada como uma peça de roupa antes da primeira noite de um casal.

Essa composição de perspectiva do desenvolvimento do roteiro ajuda a prender o espectador na proposta. Acredite, você não quer parar de ver porque quer saber onde isso vai parar, já que não tem a certeza exata do que realmente vai acontecer no avançar daquele envolvimento entre pessoas tão diferentes.

“Boa Sorte, Leo Grande” também toca em questões sociais mais amplas, como a exploração do trabalho sexual e o empoderamento feminino.

Não podemos nos esquecer que o background de vida de Leo também é complexo, já que sua relação familiar vai se revelar conflituosa ao longo da trama. O que ajuda a explicar por que ele escolheu ser um profissional do sexo e, mais especificamente, decidiu que queria dar prazer para as mulheres mais velhas.

Algumas pessoas (eu, inclusive) vão se identificar com as motivações emocionais de Leo. Não é só pelo dinheiro: é uma satisfação pessoal. É um desejo de completar o que falta no seu íntimo e emocional.

E… mesmo que muitos que vão assistir ao filme não acreditem nessas motivações do Leo… eu posso dizer, com conhecimento de causa, que é exatamente isso o que acontece na realidade prática.

Outra hora eu falo sobre isso.

“Boa Sorte, Leo Grande” é uma comédia leve, que provoca reflexões sobre as pressões sociais enfrentadas pelas mulheres ao longo da vida e os desafios relacionados à sexualidade. E é muito bem-sucedido nesse desafio.

Um filme que tem em 99% das cenas apenas dois personagens conversando e debatendo sobre questões profundas da vida que te prende do primeiro ao último minuto. E mesmo sendo um filme de linguagem acessível, apresenta questões complexas com respostas que convidam para a reflexão de quem está assistindo.

Isso é resultado de um roteiro impecável e, principalmente, do desejo de conversar de forma direta e sem rodeios com um público que, hoje, é enorme, e que efetivamente vive aquela realidade apresentada em tela.

Para muitas mulheres da turma de 60+, “Boa Sorte, Leo Grande” será uma terapia sexual de 1h40. Perguntas internas que existem na mente dessas mulheres, mas nunca foram compartilhadas com maridos ou companheiros são abertamente levantadas por Nancy em suas conversas com Leo.

Até mesmo a percepção de Nancy sobre a personalidade dos filhos, algo considerado imoral em um mundo que prega que “temos que amar nossos filhos, apesar dos pesares” entram em debate no filme, algo que muitas mães já tiveram a vontade de fazer, mas não tiveram coragem.

“Boa Sorte, Leo Grande” é ousado. Instigante. Envolvente. E muito inteligente. Um dos melhores filmes de 2022. Uma das histórias mais interessantes que você pode acompanhar no cinema contemporâneo.

E um convite para que a mulher madura comece a quebrar algemas e tabus que as prendem da verdadeira felicidade. A genuína felicidade, que só depende delas mesmas: jogar fora velhos preconceitos, abraçar o novo e abandonar a hipocrisia.

É claro que um garoto de programa com corpo definido e doido para dar o máximo de prazer vai ajudar a qualquer Dona Dalva da vida a ter orgasmos múltiplos aos 77 anos.

Mas nem mesmo o mais competente profissional do sexo dará o orgasmo para a Dona Dalva se sua mente estiver presa em um passado que simplesmente não existe no presente.

O verdadeiro prazer da mulher madura depende dela mesma, basicamente.

No caso de Nancy, ela descobre em sua jornada com Leo, que tudo estava em suas mãos.

Literalmente.


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