Está vendo esse jogo com gráficos horrorosos nas imagens que ilustram o artigo? Então… ele é o fly.pieter.com, um simulador de voo multiplayer que, por incrível que pareça, está fazendo um enorme sucesso.
O jogo foi desenvolvido por Pieter Levels em apenas 30 minutos, com ajuda de uma plataforma de inteligência artificial. Está na cara que isso aqui passa bem longe de ser um trabalho digno de nota se viesse de um grande estúdio. Mas como é de um independente e está ganhando fãs ao redor do mundo, ele vira ponto de polêmica.
Temos mais uma vez reacendido o debate sobre o papel da inteligência artificial na indústria de games. Uma gigante do setor leva anos para criar um Elden Ring da vida, e um programador qualquer ganha mais de US$ 50 mil por mês com um jogo que levou 30 minutos para ficar pronto.
Percebe quando a conta não fecha?
Como fly.pieter.com ganha tanto dinheiro?
O jogo utiliza ferramentas como o Cursor para gerar código a partir de comandos simples, e é um claro exemplo do que a “codificação de vibração” — método que prioriza a velocidade de desenvolvimento em detrimento de estruturas de código limpas, é capaz de fazer.
Apesar da criação mais ágil e em tempo recorde, o sucesso financeiro do projeto (US$ 52.000 mensais) não está diretamente ligado à jogabilidade, muito menos à criatividade do jogo.
O game ganha dinheiro através da monetização de anúncios e do alcance que o título tem em função do próprio desenvolvedor, que possui mais de 600 mil seguidores no X (e recebeu impulso adicional após uma menção de Elon Musk).
Um indigesto paradoxo financeiro
O fenômeno de fly.pieter.com expõe um paradoxo, que é indigesto e, ao mesmo tempo, um ponto de reflexão: enquanto a IA democratiza a criação de jogos, reduzindo barreiras técnicas, o sucesso comercial ainda depende fortemente de fatores externos, como audiência pré-existente e estratégias de marketing agressivas.
A saturação do mercado de videogames — foram mais de 19.000 jogos lançados no Steam em 2024 — reforça que a visibilidade é um desafio maior que a própria produção. Um jogo, por melhor que seja, está competindo com um mar de tubarões, e se você não tiver algo de diferente além da criatividade no game, ele simplesmente vai desaparecer.
Além disso, 99% da receita de fly.pieter.com vem de anúncios (principalmente de empresas de IA), enquanto as vendas diretas do título são insignificantes, indicando que o modelo econômico não se sustenta na qualidade do produto, mas na exploração de redes de influência.
O que é muito injusto, se você parar para pensar.
O jogo deve ser uma porcaria (eu não joguei, mas quem olha para isso aqui e tem bom senso simplesmente não chega perto), e fatora mais do que muitos artistas da área digital, que programaram o jogo do zero e, por não contarem com um “Quem Indica”, não contam com seus trabalhos devidamente reconhecidos.
Não foi tudo feito pela IA
O que ameniza (um pouco) o caso do fly.pieter.com é que ele não foi 100% feito por uma inteligência artificial.
Seus responsáveis precisaram realizar ajustes manuais no código criado pela IA, como correções de segurança, otimizações de desempenho e integração de controles.
Isso significa que, apesar dos algoritmos acelerem os processos, a intervenção humana ainda é fundamental para refinamento, inovação e resultado final do software, o que leva a discussão para o status do “a IA pode ajudar, mas não resolver por completo”.
Especialistas alertam que o cenário atual pode gerar uma enxurrada de conteúdos superficiais, replicando problemas já vistos em outras mídias geradas por IA, como música e arte.
Algo parecido está acontecendo em outros meios do entretenimento, como é o caso dos vídeos do YouTube. As pessoas estão abandonando os vídeos e canais “em off” (apenas com imagens e a voz do narrador) porque boa parte desse material é gerado exclusivamente por inteligência artificial, acabando dessa forma com o fator orgânico na apresentação desse conteúdo.
O caso de Levels, portanto, é menos uma regra e mais uma exceção — um alinhamento raro entre tecnologia, timing e capital social. Mas serve de ponto de observação, pois pode ser daí para pior, caso não se discuta o tema de desenvolvimento de jogos de videogames por IA mais a sério.