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Como Nossos Pais (2017), e o ciclo da vida, para o bem e para o mal

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como nossos pais

Como Nossos Pais, filme de Laís Bodanzky, poderia ser um filme baseado na história de qualquer um de nós. Qualquer um. Mesmo. Não é uma história fácil de se ver, pois a vida em si não é algo fácil de se viver. Mas o mais impressionante de tudo o que vivenciei em um filme de 102 minutos foi o sintetizar, de forma brilhante, a ideia de uma incrível canção do Belchior, que já dizia muita coisa.

Agora, consegue dizer muito mais.

Nossa vida é feita de ciclos. Vivemos esses ciclos de altos e baixos, sem mesmo entender o porquê de tudo isso. Ou melhor, sem compreender como as coisas acontecem. Talvez o bom de viver seja realmente não procurar compreender os ciclos, mas sim, vivenciá-los. Porém, muitos de nós buscam se encontrar, achar o eixo da existência para não perder o equilíbrio. E, por muitas vezes, esse eixo está no nosso passado. Pois é observando o passado que compreendemos o presente… e, com sorte, podemos modificar o futuro.

O problema é quando o nosso passado, que já é conturbado, decide dizer para a gente que tudo o que acreditamos não é a nossa realidade. Tudo está deturpado na visão distorcida do politicamente correto, que nem é o correto. É o convencional. Quando nos damos conta que as pessoas que antes eram tidas como exemplo de retidão moral ou de boa conduta também são humanas e possuem falhas, não só questionamos o nosso passado, mas também questionamos o nosso papel no mundo.

Rosa e sua mãe nunca tiveram um relacionamento fácil. A similaridade das personalidades dessas duas mulheres resultava em duelos constantes, uma instabilidade permanente e um sofrimento de lado a lado. Talvez os sofrimentos individuais impedissem de ver que o outro lado estava com suas dores e mazelas. Igualmente graves, ou diretamente proporcionais às suas escolhas pessoais. Mas duras demais para carregarem sozinhas. Insuficientes para se recusarem a aprender uma com a outra.

Quando Rosa descobre uma verdade definitiva sobre sua origem, ela tem a sua quebra de paradigma pessoal. Tudo o que ela acreditava ser real na verdade era o fruto de uma imaginação que aprendeu a conviver com as mentiras que precisava contar para todos. Inclusive para ela mesma. Porém, diante desse lampejo de realidade por parte de sua mãe, Rosa começa a se questionar duramente sobre os seus próprios procedimentos, e sobre a vida que ela vivia. Mais: passou a questionar literalmente tudo o que a rodeava. Incluindo ela mesma.

 

 

Rosa então percebeu que seus heróis eram de barro. Começou a perceber que muito do sofrimento que ela tinha em relação à mãe era irrelevante diante do fato do sofrimento que ela estava causando para ela mesma. Percebeu que vivia demais presa ao passado, culpando esse passado pela sua infelicidade do presente. E o que é pior: se deu conta que vivia uma existência semelhante à da sua mãe, algo que ela criticava duramente na sua crise de meia idade.

Como em tantas histórias que vi e vivi, a resolução para o conflito interno de uma pessoa depende apenas do indivíduo protagonista desse conflito. A partir do momento em que Rosa percebeu que realmente estava vivendo a vida que sua mãe vivia, algo que era considerado insosso e totalmente errado por ela mesma, ela começou a entender que o tal viver é efetivamente se arriscar, quebrar regras e paradigmas, e aproveitar o melhor de cada experiência. Para ela, foi uma dor profunda reconhecer que talvez sua mãe estivesse correta na ideia de transgredir as regras. Que talvez o casamento dela fosse um fracasso também por culpa dela. E que talvez ela fez escolhas similares às da mãe, mas que ainda tinha tempo para mudar tudo antes de cometer os mesmos erros que ela.

E Como Nossos Pais (o filme) narra essa luta interna de Rosa em se redescobrir. Ou redescobrir como viver diante de tantos problemas pessoas. A necessidade de se redescobrir mãe e mulher em um mundo que tenta o tempo todo sufocar e aniquilar os seus sonhos. Ou que ela mesma decide sufocar isso em nome de ter uma vida normal, com uma família tradicional. O que é um erro para ela, já que sua família está se esfarelando.

E, o mais importante: perceber que, apesar de ter feito tudo o que fez (e do seu jeito), ainda vive como os pais dela viveram.

Tal e como diz Como Nossos Pais (a música).

 

 

Estou escrevendo nesse momento sobre um dos melhores filmes de 2017. Laís Bodanzky conta uma história sobre uma das melhores músicas brasileiras de todos os tempos com muita coragem, transparência e verdade. Todas as situações retratadas no filme são vividas em todos os núcleos familiares, onde os personagens são facilmente identificáveis por qualquer pessoa. Isso cria uma empatia automática do espectador com esses personagens, o que facilita e muito todo o processo de desenvolvimento do longa.

O roteiro é muito bem pensado, levando em conta que este é um dos poucos roteiros originais que vamos encontrar no ano. É um filme forte e difícil no que se refere às situações apresentadas, mas é um filme de fácil compreensão e assimilação sobre a ideia central do longa. Sem falar em um elenco que vai muito bem, tanto nas performances individuais como nas cenas em coletivo. Maria Ribeiro dá um show ao longo do filme, passando sensibilidade e convencendo o telespectador ao viver uma personagem sofrida, amargurada e problemática, mas ilustrando tudo o que a levou a esse ponto.

Apesar de ser um drama pesado, que trata de temas sérios e polêmicos, é um filme que não cansa. São 102 minutos que te prendem em um crescente constante, envolvendo o espectador em uma narrativa mais do que convincente. É um filme maduro na proposta e na execução, onde tudo funciona de forma orgânica. Especialmente as cenas envolvendo Rosa e sua mãe.

 

 

Insisto: Como Nossos Pais é um dos melhores filmes de 2017, sem medo de errar. Você certamente vai se identificar com várias situações dramáticas que o longa propõe, e vai sair do cinema pensando (ou repensando) esse conceito de ciclo da vida, para o bem ou para o mal. Herdamos de nossos pais as coisas boas e ruins, os erros e os acertos, as vitórias e as derrotas. Cabe sempre à nós tomar a decisão em mudar tudo, para escrever a nossa história.

Mas durante um bom tempo de nossas vidas, na tentativa de acertar e ser feliz, cometeremos os mesmos erros de nossos pais. Mesmo tentando fazer diferente do que eles fizeram.

Porque eles fizeram a mesma coisa na juventude. Para também evitar de serem iguais aos pais deles.

A boa notícia é que, no final, com sorte, tudo vai dar certo.

E vamos seguir vivendo.

 

 


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@oEduardoMoreira