A mudança do HBO Max para simplesmente Max (um nome pouco criativo, diga-se de passagem) representa muito mais do que um rebranding. É o fim de uma era na televisão norte-americana.
A chegada do streaming que unificou a HBO e a Discovery representou o fim da era da Peak TV, também conhecida como a Era de Ouro da Televisão, que tinha como principal prioridade entregar séries de alta qualidade para fidelizar o espectador em um determinado canal.
Agora, a HBO abraçou o streaming com toda força, optando pela quantidade e diversidade de produções. Mantém sim algumas séries com qualidade excepcional, mas abraçou realitys de gosto duvidoso e séries que só existem para engajar os fãs nas redes sociais.
O que foi a Peak TV?
Dá para dizer que a chamada Era de Ouro da Televisão começou em 1999. O Peak TV foi marcado pela estreia de The Sopranos na HBO, uma série espetacular, com narrativa densa e personagens cheios de camadas.
A partir desse ponto, a TV norte-americana recebeu séries aclamadas pela crítica e com as mesmas características:
- Nível elevado de produção
- Roteiros bem elaborados, com personagens profundos
- Um grande arco que se desenvolve ao longo das temporadas
Neste sentido, séries como The Wire, Lost, Breaking Bad, Game of Thrones e House of Cards apareceram e foram aclamadas pelo público e crítica, pois era um formato de entretenimento de elevada qualidade. E neste aspecto, a HBO teve um papel fundamental.
O canal basicamente criou o conceito de Peak TV, onde o espectador escolhia os conteúdos a partir de sua qualidade narrativa. Outros canais entenderam isso, e capitalizaram em cima das produções mais elaboradas.
Mas eram outros tempos para a televisão. Uma época em que a TV por assinatura ainda não tinha a concorrência da internet para o consumo de entretenimento, e os videogames não estavam no mesmo terreno para incomodar o suficiente, já que os públicos eram bem diferentes.
Tempos que não voltam mais.
Por que a Era de Ouro da Televisão acabou
Não foi um único fator que determinou o fim da Peak TV. Vários efeitos acumulados, onde alguns deles foram pontuais, resultaram na queda da televisão de prestígio, e não podemos colocar toda a culpa no streaming.
Para começo de conversa, existem produções demais para pouco tempo para ver tudo. Em 2023, o número de séries originais lançadas atingiu 516, uma queda de 14% em relação ao ano anterior. Mesmo assim: a saturação do mercado dificultou a distinção entre as séries de qualidade e as medíocres.
E como a audiência tem mais o que fazer, não dá para ver tudo em apenas 24 horas do dia. E é quase impossível identificar quais são as melhores séries no meio de tanta coisa.
Além disso, a indústria de entretenimento está em crise. Só não vê quem não quer.
As greves dos roteiristas e dos atores em Hollywood, os grandes cortes de custos em gigantes do setor, o enorme desejo da Paramount em se vender e as flagrantes quedas de audiência afetaram negativamente o volume de produções de séries de alto custo.
E tudo isso está e, ao mesmo tempo, não está relacionado com o streaming… que, obviamente, tem a sua culpa no cartório.
Onde o streaming tem a sua parcela de culpa
O serviço de streaming mudou a forma em como consumimos as séries de TV.
Os lançamentos de temporadas completas de uma única vez e a cultura do chamado “binge-watching” (que é a expressão equivalente ao “maratonar” as séries ou “ver tudo em uma única tacada”) impulsionou o desenvolvimento de séries com episódios mais dinâmicos e menos reflexivos, algo que entrou em contraste com o que a Peak TV pregava, com episódios mais lentos e introspectivos.
Aqui, temos também a cultura do TikTok, já que as pessoas perderam a paciência em assistir episódios mais longos e focados no desenvolvimento de personagens em detrimento do avançar da trama. Muitas pessoas se tornaram imediatistas, querendo a resolução do conflito no menor tempo possível.
E tudo o que é contado de forma rápida tende a ser naturalmente mais raso na narrativa.
As plataformas de streaming, principalmente a Netflix, ditaram novas regras para a produção de séries, em função do comportamento da audiência combinado com a dinâmica do cenário como um todo.
As plataformas de streaming apostaram em um foco que era o mais óbvio do mundo: séries com estéticas mais televisivas e menos cinematográficas, com o uso frequente de efeitos digitais de gosto duvidoso. Aqui, o objetivo era reduzir os custos com tais práticas, o que resultou (também) em uma queda de qualidade.
Combine tudo isso com episódios mais curtos e dinâmicos para prender a atenção do público, onde o ritmo mais acelerado da narrativa foi uma das estratégias utilizadas para enfrentar uma pesada competição com um número elevado de produções.
E tudo isso deixa mesmo a impressão de que a televisão de prestígio, com séries mais elaboradas e com maior cuidado na produção para entregar a qualidade que tantos gostamos, definitivamente ficou para trás. Talvez House of Cards seja o último lampejo dessa era.
Que a Peak TV chegou ao fim, é um fato quase consumado. Mas a TV de qualidade resiste e persiste. Novas formas de produção e estruturas narrativas estão aparecendo nos últimos anos. A prova disso é que Stranger Things e Black Mirror (curiosamente, duas séries da Netflix), são hoje sinônimos de uma nova TV que pode surpreender.
Mas as duas produções se adaptaram às novas realidades da indústria e aos hábitos dos espectadores. Fico na torcida para que a HBO tenha aprendido alguma coisa além de simplesmente lançar o Max e acabar com as caras séries de qualidade.
Ainda dá para combinar os dois aspectos, desde que as produtoras não tenham medo em apostar nas histórias que realmente valem a pena.