O Botafogo foi patrocinado na década de 1990 por este refrigerante que, infelizmente, deixou o Brasil rapidamente. O 7UP teve poucas chances de fazer sucesso no Brasil porque, oras bolas, ele patrocinou um time que só foi campeão da Libertadores da América 30 anos depois de seu insight em investir no futebol brasileiro.
Quem teve a chance de experimentar o 7UP no Brasil não só provou uma bebida de limão que os norte-americanos adoram, mas também tiveram a oportunidade de tomar um “medicamento” contra a depressão.
Bom… se deixar o seu filho cheio de açúcar por causa do refrigerante era um remédio para depressão, eu não sei. Mas funcionava de alguma forma.
Então, vamos tentar ir além desse pensamento óbvio.
Por que se chama 7Up?
Este refrigerante icônico foi criado em 1929 pelo empresário Charles Leiper Grigg, e não nasceu com o nome que conhecemos hoje, mas sim como “Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda”, uma nomenclatura que já revelava seu ingrediente mais controverso: o lítio, especificamente o citrato de lítio.
A substância que hoje é reconhecida como um potente estabilizador de humor utilizado no tratamento de transtornos bipolares e depressão, era um componente regular da fórmula original da bebida, comercializada livremente em supermercados e farmácias.
A presença do lítio na composição não era acidental nem escondida. Pelo contrário: era ativamente promovida como um diferencial do produto, numa época em que o consumo de substâncias hoje consideradas medicamentos controlados era muito menos regulamentado.
A própria evolução do nome da bebida para “7UP” permanece envolta em algumas teorias, que vão desde uma referência ao pH da bebida até o peso atômico do lítio (6,94, arredondado para 7).
A história deste refrigerante ilustra como as fronteiras entre alimentos, bebidas e medicamentos eram mais fluidas no início do século XX, e como substâncias hoje sujeitas a rigoroso controle médico eram consumidas de maneira rotineira pela população.
O contexto histórico e medicinal do lítio
No período em que a 7UP foi lançada, o lítio era uma substância amplamente reconhecida por suas supostas propriedades terapêuticas, especialmente para o que então se chamava de “gota” e para o tratamento de condições nervosas.
A tradição de utilizar águas minerais ricas em lítio para fins medicinais remonta a tempos antigos, com diversas fontes naturais sendo procuradas exatamente por suas propriedades “curativas”. O consumo dessas águas era incentivado por médicos e sanitaristas da época, que atribuíam a elas benefícios para a saúde física e mental.
Nos anos 1920 e 1930, período em que a 7UP foi desenvolvida, o lítio estava gradualmente ganhando atenção científica, embora seu mecanismo de ação ainda fosse desconhecido. O contexto da Grande Depressão econômica nos Estados Unidos também é relevante para entender o apelo de um refrigerante que prometia “levantar o ânimo”.
As pessoas buscavam não apenas refrescar-se, mas também encontrar algum alívio para as tensões e preocupações do período. A ideia de um refrigerante com propriedades medicinais não parecia estranha aos consumidores da época, que estavam acostumados a encontrar diversos produtos de consumo diário contendo substâncias hoje consideradas medicamentos, desde xaropes para tosse com codeína até refrigerantes com extratos de coca.
A regulamentação e a remoção do lítio da fórmula
A trajetória da 7UP com lítio chegou ao fim em 1948, quando a Food and Drug Administration (FDA), o órgão regulador de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, determinou a proibição do uso de lítio em bebidas e alimentos.
A decisão marcou um ponto de virada não apenas para o refrigerante, mas para toda a indústria de alimentos e bebidas, representando uma nova era de regulamentação mais rigorosa sobre o que poderia ser incluído em produtos de consumo.
O parecer da FDA foi parte de um movimento maior de profissionalização da medicina e da farmacologia no pós-guerra, que passou a estabelecer fronteiras mais claras entre medicamentos e alimentos. Curiosamente, foi apenas na década de 1970 que o lítio foi oficialmente aprovado como medicamento para transtornos bipolares nos Estados Unidos, embora seu uso psiquiátrico já fosse estudado desde o final da década de 1940.
O intervalo entre a remoção do lítio de produtos de consumo e sua aprovação como medicamento controlado ilustra a complexa e por vezes contraditória relação entre regulação, ciência e indústria.
Após a remoção do lítio, a 7UP continuou sua trajetória comercial com uma fórmula modificada, tornando-se um dos refrigerantes mais populares globalmente, enquanto seu passado como “bebida medicinal” foi gradualmente esquecido pelo público geral, sobrevivendo apenas como uma curiosidade histórica.
A redescoberta do lítio como medicamento psiquiátrico
Paralelamente à história comercial da 7UP, o lítio seguiu um percurso científico que o levou da condição de ingrediente de refrigerante para a de medicamento essencial em psiquiatria. Foi o psiquiatra australiano John Cade quem, em 1949, publicou um estudo pioneiro demonstrando a eficácia do lítio no tratamento da mania aguda, parte do transtorno bipolar.
Essa descoberta, que ocorreu apenas um ano após a remoção do lítio da 7UP, inaugurou uma nova era no tratamento de transtornos de humor, representando um dos primeiros tratamentos farmacológicos eficazes para condições psiquiátricas.
O trabalho de Cade, inicialmente recebido com ceticismo, ganhou aceitação ao longo das décadas seguintes, especialmente após estudos confirmatórios realizados pelo psiquiatra dinamarquês Mogens Schou. A trajetória do lítio como medicamento psiquiátrico foi marcada por desafios significativos, incluindo preocupações sobre sua toxicidade e a necessidade de monitoramento constante dos níveis sanguíneos.
Apesar dessas dificuldades, o lítio se estabeleceu como um tratamento fundamental para o transtorno bipolar, sendo hoje considerado pela Organização Mundial da Saúde como um medicamento essencial.
As implicações culturais e científicas
A narrativa da 7UP e do lítio é parte da evolução da medicina, da regulação de alimentos e da percepção pública sobre substâncias psicoativas, mostrando como a fronteira entre alimentos e medicamentos foi historicamente fluida e socialmente construída, não representando uma divisão natural ou óbvia.
A transição do lítio de ingrediente de consumo cotidiano para medicamento controlado mostra como substâncias que hoje consideramos potentes medicamentos psiquiátricos eram outrora consumidas casualmente, sem a compreensão dos mecanismos de ação ou potenciais riscos.
O que era considerado seguro e até benéfico em uma época pode ser reconhecido como problemático em outra, à medida que avança nossa compreensão sobre os efeitos das substâncias no organismo humano.
Ou seja, a medicina e a indústria de gastronomia precisam manter uma postura crítica e aberta a revisões sobre o que consumimos e como regulamos produtos destinados ao consumo público.
Caso contrário, vamos seguir consumindo qualquer coisa como alimento, sem analisar os efeitos para o presente e futuro.
Moral da história: quando o seu avô disser a hipócrita frase “no meu tempo é que era bom”, mostre esse artigo para ele como prova irrefutável de que ele ou está mentindo, ou está sofrendo de Mal de Alzheimer.
Via MCGill