Antes de começar: eu sei que arte é algo subjetivo, pois eu trabalho com arte. Eu faço música.
E… mesmo assim: ainda dá para definir de forma bem objetiva o que é música boa e música ruim neste mundo.
Dito isso…
Justin Sun, o polêmico e controverso fundador da rede blockchain TRON, ganhou os holofotes ao comer uma banana em um evento luxuoso em Hong Kong.
Aí você me pergunta: “tá, mas o que tem isso de tão grave?”
Acontece que a banana que Sun comeu era, na verdade, “uma obra de arte” que foi leiloada pela Sotheby’s, pelo preço obsceno de US$ 6,2 milhões.
E a discussão está servida.
Entendendo a “obra de arte”
A segunda pergunta que você vai fazer é “como uma banana foi virar uma obra de arte?”.
Vou fazer a gentileza em responder.
A obra “Comediante”, do italiano Maurizio Cattelan, é composta por uma banana colada a uma parede com fita adesiva, e é um símbolo de provocação ao mercado de arte.
Tá, não é exatamente uma obra de arte como a Monalisa. Mas serve para provocar artistas como Romero Britto.
Criada como sátira, a peça alcançou status de ícone, o que fez com que ela fosse vendida por valores exorbitantes em suas versões anteriores.
As edições originais de “Comediante” custaram entre US$ 120 mil e US$ 150 mil. Ou seja, Sun pagou uma quantia milionária só para ter o direito de dizer que comeu a banana mais cara da história da Humanidade.
Ao comer a banana em frente à imprensa, Sun transformou a obra em performance, alegando que o ato faria parte da história artística da peça.
De fato, passa a fazer parte da história de diferentes maneiras…
A ação reforça a crítica ao mercado de arte, onde o conceito supera o objeto físico. Na prática, Sun tira sarro de um cenário artístico que entende como “arte” qualquer bobagem pregada em uma parede.
A origem humilde da banana milionária
A banana usada na recriação da obra foi comprada em uma barraca de frutas qualquer no Bronx por US$ 0,25.
O vendedor, Shah Alam, de 74 anos, ficou emocionado ao descobrir que sua banana foi vendida por milhões, mas questionou o real impacto dessa transação em sua vida.
Até porque ele não viu um centavo a mais de toda essa grana que foi gasta para “uma performance visual satírica e crítica”.
Sun parece ter entendido que foi bem babaca com o senhor que vendeu a banana para que ele pudesse aparecer na mídia dessa forma.
Tanto, que prometeu comprar 100 mil bananas da barraca de Alam e distribuí-las gratuitamente para a população.
E mesmo com esse gesto de empatia, a atitude de Sun também não é vista com bons olhos, pois aparentemente o comedor da banana mais cara do mundo ignora a distância entre idealismo e realidade.
No lugar de distribuir bananas de graça, por que Sun não usa essa grana para ajudar desabrigados no mesmo Bronx?
Além disso, o lucro efetivo de Alam com a venda de 100 mil bananas é relativamente baixo pois afinal de contas, ele precisa comprar as bananas de um fornecedor antes de vende-las.
Sem falar no impacto marginal na vida dele, pois depois da boa ação de Sun, o mundo volta ao normal, e ele precisa seguir com a vida para ganhar dinheiro e sobreviver.
Ninguém está ganhando com essa bobagem na prática.
“Arte”, NFTs e criptomoedas
Sun comparou “Comediante” aos NFTs, destacando a similaridade entre a valorização de conceitos e a falta de valor intrínseco.
Falou o cara que pagou US$ 6,2 milhões para COMER UMA BANANA.
E no final, tudo o que Sun fez foi puro marketing. Ele usou a notoriedade gerada pela banana para promover um investimento de US$ 30 milhões em um novo projeto de criptomoeda.
Antes de terminar, quero propor um questionamento: qual é o verdadeiro valor da arte?
A banana de US$ 6.2 milhões nem era a obra original. Tinha o certificado do artista, que gastou no máximo US$ 1 para “criar” a obra (considerando o preço da fita supertape).
Como a banana milionária será substituída por outra para que outro trouxa pague uma quantia absurda por essa bobagem, eu pergunto: o valor da arte ficou banalizado?
Talvez a única coisa boa dessa história seja mesmo a reflexão sobre os contrastes: um bilionário gastando milhões por um símbolo efêmero e trabalhadores como Alam, vivendo com uma fração desse valor.
A banana é apenas um microcosmo das desigualdades e ironias do capitalismo moderno.