Como é bom ter um filme que atende às suas expectativas. Mais do que isso: entrega além do que você espera, mesmo que essa seja uma tarefa muito difícil.
Conclave é um thriller político que explora a complexidade do poder e da fé dentro do Vaticano. O filme apresenta uma recriação detalhada dos bastidores do conclave, destacando as intrigas e conspirações que ocorrem durante o processo de eleição do Papa.
O filme dirigido por Edward Berger é baseado no livro homônimo de Robert Harris, combinando acontecimentos (reais ou não) que descortinam a luta por uma das posições mais influentes do planeta, o que entrega ao escolhido, de forma automática, um poder que poucos seres humanos possuem.
Não é uma história fácil de ser contada. Mas a forma em como ela foi contada é instigante e surpreendente.
Do que se trata?
A história se passa no Vaticano, onde um conclave é convocado após a morte inesperada do Papa. O Cardeal Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes, é encarregado de conduzir o processo de eleição do novo pontífice, conforme a última ordem do falecido Papa.
Lawrence é um liberal britânico e reitor do Colégio dos Cardeais, mas se prepara para abandonar Roma após o conclave, pois passa por sérias dúvidas sobre sua vocação de fé em função dos conflitos entre os ensinamentos e as práticas humanas.
O filme começa com a morte do Papa (sem nome) e a subsequente reunião dos cardeais para eleger seu sucessor. Quatro candidatos principais emergem, cada um deles com visões de mundo muito bem definidas e diametralmente opostas:
- Cardeal Aldo Bellini (Stanley Tucci), um liberal americano cujos eventos no filme são baseados nas experiências de Carlo Maria Martini durante o conclave papal de 2005.
- Cardeal Joshua Adeyemi (Lucian Msamati), um candidato nigeriano popular que, apesar de ter grandes chances de ser o primeiro papa negro da história, possui visões sociais conservadoras.
- Cardeal Goffredo Tedesco (Sergio Castellitto), um tradicionalista italiano de extrema direita, com visões sociais e políticas diametralmente opostas ao papa que faleceu.
- Cardeal Joseph Tremblay (John Lithgow), um moderado canadense que se apresenta como um dos mais fortes candidatos ao posto.
O que os quatro favoritos não contavam é com a chegada de novo cardeal, Vincent Benitez (Carlos Diehz), um arcebispo mexicano pouco conhecido que trabalha no Afeganistão, e rapidamente ganha votos. Com um passado misterioso, Benitez foi inicialmente rejeitado pelos demais cardeais justamente por passar por zonas de conflito que outros religiosos se recusavam a aceitar missões.
À medida que as votações avançam, o passado controverso dos favoritos vem à tona, ao mesmo tempo que o nome de Lawrence ganha força, mesmo com sua relutância em aceitar a liderança da Igreja Católica.
Ao mesmo tempo, cabe à Lawrence, que está comandando o processo de conclave, tomar as decisões necessárias para garantir que o grupo de cardeais façam a melhor escolha, mesmo ciente de que são todos humanos, e que cada um deles é passível de erros e pecados.
Resta ao grupo descobrir quem pecou menos para ser o novo Papa.
Por que Conclave é um filme instigante?
Porque, mesmo sendo uma história ficcional, a forma em como a narrativa entrega os acontecimentos é tão autêntica, com base em temas que, infelizmente, estão tão próximos da Igreja Católica atual, que você realmente acredita que tudo o que acontece no filme é crível, e que em algum momento aquelas tramas realmente aconteceram durante o processo de escolha de um novo Papa.
Com um elenco competente liderado por Ralph Fiennes, essa autenticidade é ainda maior. E o ator está em uma de suas melhores performances na carreira. Aqui, também merece destaque a participação de Isabella Rossellini como Irmã Agnes, chefe de cozinha e governanta dos cardeais, que assume um papel importante em um momento chave da narrativa.
Conclave prende o espectador em uma trama política que mais parece um jogo de xadrez. As alternâncias dos acontecimentos ilustram ainda mais a complexidade dos temas abordados, que são pesados por natureza. Afinal de contas, todo mundo sabe que, dentro da Igreja Católica, o racismo, a homofobia, a misoginia, o assédio sexual, a pedofilia e a corrupção estão presentes, como em qualquer outra esfera de nossa sociedade.
E pode parecer fácil para um filme norte-americano falar dos problemas da Igreja Católica Apostólica Romana, pois essa não é a religião dominante nos Estados Unidos. Mas não podemos nos esquecer que, em função do elenco cheio de astros renomados e da produção em escala gigantesca, Conclave é um filme que conversa com o mundo, levantando a polêmica e a discussão por onde passar.
Sua produção é impecável, aumentando a imersão do espectador. E até mesmo quando você espera que o filme vai cair no “mais do mesmo” no seu final, com um “deus ex-machina” que resolve tudo, o roteiro reserva uma última surpresa. Uma última provocação para deixar pontos de reflexão em quem tem a mente aberta, ou a indignação nos mais irracionais.
Conclave é um filme necessário para mostrar que até mesmo as mais elevadas esferas do maior e mais popular segmento religioso do planeta contém elevadas doses do tema que a maioria das pessoas se nega a discutir, e muitas vezes por não ter conteúdo intelectual para isso: a política.
Nem mesmo a Igreja Católica pode estar em nome de Deus, já que os humanos, com sua sede de poder, se tornam mesquinhos e individualistas, ignorando por completo o que é o melhor para o coletivo.
As relevantes contribuições que a Igreja Católica pode oferecer para o bem comum se transformam em um duelo pelo posto de liderança, mostrando as reais personalidades e deficiências morais e éticas. E escolher um novo Papa em um cenário de tensão e desconfiança é algo surpreendentemente divertido (para quem não tem a responsabilidade de fazer essa escolha, obviamente).
Assista à Conclave sem medo. È um dos melhores filmes de 2024, e tem suas indicações ao Oscar 2025 com mais do que justificadas.
E veja aos eventos como uma história de ficção que não está distante da realidade prática.
Não se esqueça, nunca, que é a arte que imita a vida, e não o contrário.