Você simplesmente odiou “Coringa: Delírio a Dois” (2024)?
Então… lamento em dizer, mas… você é burro, e não entendeu o filme.
E vou além: você é burro a ponto de não ter entendido o primeiro filme (“Coringa”, 2019) e nem mesmo entender a essência desse personagem. Aliás, você é burro a ponto de não entender que você é parte de um problema muito maior, e que Todd Philips deixou claro nessa história dividida em dois atos.
Sua percepção objetiva e capacidade de raciocínio são tão rasos, que chega a ser surpreendente ver você tentando não deixar o celular cair enquanto lê a este artigo.
Bom… agora que eu já ofendi os incells logo de cara, vou explicar por que “Coringa: Delírio a Dois” gerou essa revolta toda nos mais irracionais.
O “construir”…
Acredito, de verdade, que tudo nessa vida é “construção, destruição e distorção de narrativas”, pois o ser humano é mais do que propenso a idealizar arquétipos baseados em suas convicções e códigos morais e éticos.
Antes de continuar, não podemos nos esquecer que essas histórias e personagens foram construídos e voltados para o público norte-americano que, na sua grande maioria, tem a mesma mentalidade e comportamento do Homer Simpson.
Isso mesmo. O Homer Simpson. Um idiota com convicção. E esse é o ser mais perigoso do planeta.
Dito isso, vamos voltar cinco anos no tempo.
Quando “Coringa” estreou em 2019, os EUA estava no auge do seu extremismo e polarização de visões de mundo. O norte-americano médio estava muito mais propenso a resolver qualquer conflito na base da violência do que através do diálogo.
E… para quem não sabe… tudo o que gira em torno do personagem Coringa é extremamente violento. Não é à toa que este é o maior inimigo do Batman: as atrocidades cometidas por esse vilão são, em alguns casos, indescritíveis, o que historicamente exigiu do herói medida extremas para combater todo o rastro de morte e destruição deixado pelo vilão.
Aqui, uma breve reflexão.
Batman e Coringa sempre foram retratados como “faces opostas da mesma moeda”.
O filme “Batman: o Cavaleiro das Trevas” retrata muito bem esse aspecto. O longa mostra da forma mais explícita que, de todos os adversários de Batman, o Coringa é, sem sombra de dúvidas, o mais perigoso, uma vez que ataca a principal fraqueza do herói: o seu psicológico.
Nesse embate, herói e vilão, que contam com psicológicos profundamente perturbados como principal sinal de identidade, se enfrentam em um duelo extremo, como se pudessem “se fundir” em toda a monstruosidade de suas ações.
E é a sociedade como um todo que se torna vítima de ambos.
Bom… voltando para “Coringa” de 2019.
O longa foi aclamado por crítica e público, indicado ao Oscar em algumas categorias e rendendo para Joaquin Phoenix o prêmio de Melhor Ator na principal premiação do cinema.
Porém, o que muitos não se deram conta é que “Coringa” teve um efeito colateral indesejado: a apropriação indevida da imagem do personagem principal pelo grupo mais extremo e verborrágico da sociedade, que entendeu errado a proposta daquela narrativa.
Arthur Fleck é, em essência, um perdedor. Um fracassado. Alguém que se colocou no papel de vítima da sociedade e, em resposta, revidou da pior forma possível.
Abandonado afetivamente pela mãe, que só se envolvia com assediadores que abusavam de sua inocência infantil, Arthur se enxergava como um completo excluído na sociedade. Não tinha o respeito dos colegas de trabalho, não era carismático para se envolver afetivamente com as mulheres, e nem tinha a capacidade de perceber que alguém poderia se interessar por ele em busca de um envolvimento mais profundo.
Esse Coringa foi construído a partir do desejo de fuga de realidade, em resposta à tudo de mal que essa sociedade ofereceu para Arthur Fleck. E, de forma até irônica, o protagonista só encontrou o respeito e empatia do coletivo quando decidiu apelar para medidas extremas.
A grande maioria das pessoas que se revoltaram com “Coringa: Delírio a Dois” simplesmente não entenderam absolutamente nada do primeiro filme, que é uma clara crítica à cultura do extremismo e da glamourização da violência.
E o mais importante de tudo: um sinal de alerta em como a sociedade estava tomando um caminho perigoso ao seguir os chamados “falsos anti-heróis”, que vendiam uma ruptura com o sistema estabelecido quando, na verdade, são enormes fracassados na vida, que nunca foram amados e respeitados por quem quer que seja.
Já disse isso no texto, mas vou repetir:
“Um idiota com convicção é a pessoa mais perigosa do planeta.”
Pois bem… “Coringa: Delírio a Dois” desconstrói tudo isso.
Por completo.
…para “desconstruir”
Todd Phillips, diretor dos dois filmes, sabia muito bem o que estava fazendo. E sabia qual era o vespeiro que iria cutucar com “Coringa: Delírio a Dois”. Tanto, que não liberou o filme para exibições de testes.
Ele sabia que o longa seria massacrado por todos. E ele fez isso de propósito.
Dá até para sentir esse homem com sangue nos olhos e retrogosto de vômito na boca, escrevendo um roteiro que entregava tudo aquilo que é detestado pelo público mais extremista, apenas e exclusivamente para desconstruir a imagem idealizada de um Coringa que se alinhava com perspectivas e visões de mundo que nem mesmo o personagem dos quadrinhos abraça.
Até porque todo mundo sabe que, no fundo, o Batman é um fascista.
Um Coringa que se permite gostar de música, que vê seus delírios como um musical (até porque pessoas cafonamente apaixonadas fazem isso), que se apaixona por uma mulher tão maluca quanto ele (e não o contrário) e, o mais sério de tudo isso: que só assume de vez o seu alter-ego destrutivo “pelo poder do amor”, e não pela própria essência?
Isso é simplesmente inadmissível para um grupo de pessoas!
Um verdadeiro DELÍRIO A DOIS, já que se apaixonar em um mundo tão polarizado é sim um ato de alguém que está delirando e completamente desconectado dessa realidade verborrágica.
“Onde já se viu! Transformaram o MEU Coringa em um fraco! Um babaca qualquer que se apaixona a sai cantando por aí como um idiota!”
Então…
A parte mais difícil de engolir para essa turma que odiou o filme é ver que tudo era sober Arthur Fleck, e não sobre o Coringa.
Ver Arthur mostrando suas fraquezas, admitindo que fez tudo por ele e não em nome de uma luta contra um sistema doente, e reconhecendo que jogou nas costas de uma sociedade verborrágica e violenta os seis crimes cometidos (inclusive contra a própria mãe, o que comprova sua motivação pessoal em se vingar de tudo e todos) foi uma espécie de “tapa na cara” para um grupo que, repito, não passou perto de entender a experiência do primeiro filme.
Que, por sinal (e eu não sei se estou alertando sobre isso tarde demais, mas entendo que é necessário), também é sobre Arthur Fleck… que foi tão covarde, que usou um alter-ego para cometer o seu maior crime em rede nacional.
Para qualquer pessoa minimamente consciente e racional, “Coringa” era um filme controverso e até perigoso já em 2019. Cheguei a recomendar para algumas pessoas que contam com um psicológico mais fraco para que se preparassem antes de ver o longa, pois ele mexia de forma profunda com alguns sentimentos mais sombrios.
Cinco anos depois, e vemos que quem olhou para o primeiro filme da forma correta consegue entender perfeitamente por que um grupo de pessoas está detestando a desconstrução do Coringa promovida por Todd Phillips em “Coringa: Delírio a Dois”.
Não é uma simples quebra de expectativa. É um desmonte de uma personalidade que, de forma equivocada e até errada, foi assumida como aquele ser “antissistema” (seja lá o que isso significa) quando, na verdade, é exatamente o contrário: apenas os fracassados apelam para medidas extremas.
“Coringa: Delírio a Dois” devolve para esse público mais verborrágico a realidade de que o verdadeiro protagonista dessa história é um ser que perdeu tudo na vida, que apelou para os atos mais covardes para ganhar o protagonismo e o respeito do coletivo.
E ninguém gosta de ver as suas maiores fraquezas expostas em um filme com 2h18 de duração.
A piada é você
O grande problema de “Coringa: Delírio a Dois” não é o seu conceito ou a história que foi contada, mas sim a sua execução.
Até eu reconheço que a primeira hora do filme, que serve de preparatório para os eventos de sua segunda metade, não são os minutos mais prazerosos que testemunhei no cinema em 2024. Mas são necessários para posicionar as peças do jogo que Todd Phillips decidiu jogar.
Colocar Arthur Fleck como uma pessoa psicologicamente destruída, mostrando claramente que o fator “música” era a sua fuga de realidade, e apresentando aquela pessoa que ele se agarraria emocionalmente para sair em defesa própria foram perspectivas lentamente apresentadas na primeira metade do filme.
E tudo isso poderia ser feito de uma forma um pouco mais dinâmica. O que não impediu que fosse envolvente de qualquer maneira.
Até porque “Coringa: Delírio a Dois” não só continua os eventos do primeiro filme, mas lida com suas consequências, tanto dentro do seu universo como fora dele, em nosso mundo real. É como se o longa fosse, em partes, uma “quebra de quarta parede velada”: a reação do coletivo, a forma em como a imprensa trata o criminoso como uma celebridade, os mecanismos utilizados pela mídia para expor essa persona em busca de audiência…
Todos esses “efeitos colaterais” foram retratados no filme, mas se aplicaram na nossa realidade. E “Coringa: Delírio a Dois” trabalha com tudo isso como uma grande crítica sobre a glamourização da violência e do extremismo.
Quebrar as expectativas dos incells foi a forma que Todd Phillips encontrou para se vingar de um grupo de pessoas que, por não entenderem as críticas abordadas no primeiro filme, decidiram por conta própria “se apropriar” dessa versão do Coringa para defender discursos extremos, pregando o ódio e a violência como saídas para um sistema de sociedade doente e cheio de falhas.
Um grupo que transmutou suas frustrações pessoais e derrotas individuais para um personagem que era a imagem e semelhança de suas essências. Um perdedor que se vitimizou e decidiu responder de forma extrema a sua incapacidade de se transformar em algo melhor do que aquilo que a sociedade fez dele.
“Coringa: Delírio a Dois” não é um filme perfeito, nem é o melhor filme de 2024. Mas passa longe de ser a porcaria que tanto pregaram nas redes sociais.
É um filme sagaz. Mordaz. E extremamente provocativo.
É bem menos impactante que o primeiro, já que é muito mais interessante ver a construção de um anti-herói do que a sua desconstrução e, em consequência disso, a revelação de um fracassado covarde.
Mesmo assim: é um filme inteligente o suficiente para levantar toda essa discussão que testemunhamos nos últimos dias. E neste aspecto, Todd Phillips está sim de parabéns.
No final, a piada é você. O burro é você. O idiota é você.
Sim. Se você se revoltou com “Coringa: Delírio a Dois”, você é burro, e não entendeu o filme.
Ou melhor: entendeu sim. Entendeu perfeitamente. Pois ele fala sobre você.
Só toma cuidado na vida para não se transformar em uma piada mortal por glamourizar a violência e o extremismo.
É desse jeito que sociopatas e psicopatas nascem todos os dias.