A 97ª cerimônia do Oscar teve uma distribuição de prêmios que foi relativamente equilibrada, e voltou a destacar a diversidade criativa do ano cinematográfico de 2024. Tem em “Anora” o seu grande (e, para muitos, surpreendente) vencedor, voltando a premiar um filme independente após aclamar um blockbuster como “Oppenheimer” no ano passado.
A cerimônia encapsulou as muitas facetas da indústria cinematográfica contemporânea, se alternando entre o entretenimento, a inovação e a pegada política, elementos que sempre fizeram parte da premiação.
Conan O’Brien conduziu uma premiação que teve um final feliz para os brasileiros, mas que fez história em outros aspectos para diferentes personagens.
A partir de agora, meus dois centavos para tudo o que vi na premiação.
Abertura com tributos musicais e humor afiado
O Oscar 2025 começou homenageando Los Angeles como a cidade dos sonhos, com Hollywood no seu epicentro, como uma forma de refletir sobre os recentes incêndios na Califórnia que ainda estavam na memória coletiva.
A Academia optou por uma abertura que transportou o público para o universo mágico de “O Mágico de Oz”, com Ariana Grande interpretando o icônico “Over the Rainbow”. A produção continuou com Cinthia Erivo entregando uma versão poderosa de “Defying Gravity”, à qual Grande se juntou, em um tributo ao musical “Wicked” que arrancou aplausos entusiasmados da plateia.
Estava estabelecido o tom para uma cerimônia que buscava equilibrar entretenimento e reconhecimento artístico, conectando o passado e o presente de Hollywood através de suas obras mais emblemáticas.
Conan O’Brien, em sua estreia como apresentador do Oscar, assumiu o comando e imediatamente demonstrou por que foi escolhido para a função.
Com um monólogo afiado e inteligente, O’Brien navegou habilmente por piadas sobre os filmes indicados, atores e atrizes, sem deixar de abordar temas polêmicos como a crise de imagem de Karla Sofía Gascón.
Aliás, falando na atriz espanhola… ela evitou passar pelo tapete vermelho da premiação, muito provavelmente para fugir de perguntas constrangedoras da imprensa. E aparentemente estava sentada em separado dos demais colegas de elenco e produção de “Emilia Pérez”.
As últimas informações dão conta de que a Netflix bancou passagem e hospedagem para Gascón comparecer ao Oscar, mas aparentemente não passou disso. Era como se ela fosse aquela convidada indesejada para a festa.
O monólogo de O’Brien incluiu momentos memoráveis, como piadas sobre o papel de Antonio Banderas em “Babygirl”, um desapontado John Lithgow (em referência à uma cena de “Conclave” que virou meme na internet) e um número musical surpreendente envolvendo Deadpool e um verme de Arrakis ao piano.
Muitos já consideram esta como uma das melhores aberturas de cerimônia do Oscar em anos.
A distribuição de estatuetas começou com Robert Downey Jr. subindo ao palco para entregar o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante a Kieran Culkin por sua performance em “A Verdadeira Dor”.
O ator, visivelmente emocionado, finalizou seu discurso de aceitação com um momento pessoal tocante, dirigindo-se à esposa com o anúncio de que estava na hora de terem um novo filho.
Emocionante… e engraçado, pois Culkin aproveitou a audiência global para cobrar a esposa pela promessa feita. Mas de qualquer forma, é uma maneira de mostrar que esses astros que tanto admiramos também são humanos.
Diversidade de premiados e momentos históricos
A cerimônia avançou com premiações que destacaram a crescente internacionalização do cinema.
A animação “Flow” garantiu à Letônia seu primeiro Oscar, enquanto o Irã foi reconhecido na categoria de melhor curta-metragem com “Na sombra de um cipreste”. O momento ganhou ainda mais significado quando os diretores Hossein Molayemi e Shirin Sohani revelaram que haviam acabado de desembarcar em Los Angeles, tendo recebido seus vistos apenas no dia anterior à cerimônia.
Ou seja… nem para a organização do Oscar ajudar nas questões diplomáticas dos seus indicados, não é mesmo?
Fica a dica: se você for indicado ao Oscar, cuidado, pois os Estados Unidos podem impor obstáculos geopolíticos que podem atrapalhar a sua participação na cerimônia.
Na premiação de Melhor Figurino, o comediante Bowen Yang apareceu vestido como seu personagem de “Wicked”, em uma das melhores piadas da noite.
A Academia optou por um formato incomum para algumas categorias técnicas, reunindo cinco atores para apresentar o mesmo prêmio, em uma tentativa de dar maior visibilidade a profissionais que normalmente permanecem nos bastidores da indústria cinematográfica.
A estatueta foi entregue a Paul Tazewell, que não hesitou em destacar o aspecto histórico de sua vitória: ele se tornou o primeiro designer negro a vencer nesta categoria, o que enfatiza como é lento o avanço da diversidade em categorias técnicas que historicamente receberam menos atenção no que diz respeito à inclusão.
O musical francês “Emilia Pérez”, que havia chegado à cerimônia com 13 indicações, enfrentou uma noite agridoce.
Merecidamente, diga-se de passagem.
O filme de Jacques Audiard conseguiu apenas duas vitórias: Melhor Canção Original e Melhor Atriz Coadjuvante para Zoe Saldaña.
Se por um lado o filme francês que conta uma história no México com atrizes norte-americanas e espanholas, que não se deu ao trabalho de estudar a cultura local (e nem mesmo o sotaque deles) teve a resposta para todo esse desleixo, por outro lado, o Oscar 2025 se pautou pela fragmentação dos vencedores.
Pelo menos oito filmes diferentes foram premiados nas primeiras oito categorias, demonstrando como a Academia estava disposta a reconhecer uma variedade de produções, evitando que um único filme dominasse a noite.
A cerimônia foi pontuada por momentos musicais variados, incluindo uma homenagem a James Bond com Margaret Qualley, Lisa, Doja Cat e Raye interpretando temas clássicos da franquia, embora a ausência de Adele tenha sido notada e o medley tenha sido considerado menos impactante do que o esperado.
Momentos políticos e o grande vencedor da noite
Um dos momentos mais surpreendentes e politicamente carregados da noite veio com a premiação de Melhor Documentário para “No Other Land”.
Os diretores do filme, uma equipe composta por palestinos e israelenses, aproveitaram seu momento no palco para enviar uma mensagem contundente em busca de justiça e paz no Oriente Médio.
O discurso ganhou ainda mais relevância considerando o contexto americano, tradicionalmente pró-Israel, demonstrando mais uma vez que o Oscar pode (e deve) servir como plataforma para discussões geopolíticas.
A mensagem direta dos cineastas, recusando-se a suavizar a realidade dos dois lados do conflito, representou um momento raro de franqueza política em uma cerimônia que geralmente tende a evitar confrontações diretas sobre temas internacionais controversos, e levantou questões importantes sobre o papel do cinema documentário como ferramenta de conscientização global.
A cerimônia também incluiu um tributo aos bombeiros da região da Califórnia que combateram os recentes incêndios, recebendo uma ovação de pé de todos os presentes. Conan O’Brien aproveitou o momento para inserir algumas piadas sobre os produtores de “Coringa: Delírio a Dois”, as habilidades musicais de Timothee Chalamet em “Um Completo Desconhecido” e sua própria mania de subir em árvores.
Piadas que, segundo o próprio O’Brien, “ele não teria coragem de fazer”. Mas os bombeiros, que são as autoridades mais respeitadas da Califórnia neste momento, podem fazer sem maiores problemas.
Conforme a noite avançava, tornou-se evidente que o tempo estava se esgotando, com alguns discursos de agradecimento sendo abruptamente interrompidos – uma ironia particularmente notável quando os engenheiros de som de “Duna: Parte 2” tiveram seus microfones cortados ao receberem o prêmio de Melhores Efeitos Sonoros.
Uma contradição que só poderia acontecer em uma cerimônia que claramente perdeu o controle do seu roteiro com discursos mais longo sque o necessário.
Ao entrar na quarta hora da cerimônia, os prêmios considerados mais prestigiosos começaram a ser anunciados. Mas não antes do “In Memoriam”.
Morgan Freeman prestou uma emocionante homenagem a Gene Hackman antes de iniciar o segmento em homenagens aos profissionais de cinema que nos deixaram nos últimos 12 meses. Bom, quero dizer, nem todos, pois a lista completa do “In Memoriam” foi disponibilizada apenas na internet, e no evento da TV ficu apenas aqueles que a produção do Oscar considerou como mais importantes.
O segmento apresentou uma execução da Lacrimosa do Réquiem de Mozart enquanto os nomes e rostos dos profissionais falecidos no último ano eram projetados na tela.
Alguns consideram surpresa a vitória do filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, que superou “Emilia Pérez” na categoria de Melhor Filme Internacional.
Em um mundo justo, “Emilia Pérez” jamais deveria receber indicações nessa categoria e em Melhor Filme. Colocar longa do francês ao lado do filme de Walter Salles é um sacrilégio.
“Ainda Estou Aqui” é, com méritos, o Melhor Filme Internacional do Oscar 2025. Sempre foi. Se perdesse, seria um roubo.
Conan O’Brien não perdeu a oportunidade de fazer uma crítica ao governo Trump, mencionando que “A América gosta de ver alguém enfrentar um russo poderoso”.
Queen Latifah liderou uma homenagem a Quincy Jones que, embora bem-intencionada, não atingiu o impacto esperado, sendo comparada a um karaokê ou ao intervalo de uma competição esportiva.
O triunfo de ‘Anora’ e o reconhecimento do cinema independente
O ápice da cerimônia chegou com a distribuição dos prêmios mais aguardados: Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Filme.
Adrien Brody conquistou o Oscar de Melhor Ator por sua atuação em “O Brutalista”, embora seu discurso tenha sido algo insuportável, tal e como ele deve ser com pessoa física.
E a pior parte: como “O Brutalista” foi reconhecido em categorias importantes, serei obrigado a encarar as 3h34 do Sr. Adrien Brody na minha frente.
Vem texto e vídeo falando sobre ele no futuro.
Sean Baker, ao receber o prêmio de Melhor Diretor por “Anora”, aproveitou seu momento no palco para defender a importância das salas de cinema, um tema particularmente relevante em uma era dominada pelo streaming.
A estatueta de Melhor Atriz foi para Mikey Madison por sua performance em “Anora”, e essa sim é, talvez, a maior surpresa da noite. Demi Moore era cotada como favorita máxima na categoria, e muitos esperavam que Fernanda Torres vencesse por sua atuação de Eunice Paiva. Mas quem viu o que Madison fez no seu filme vai concordar que a moça simplesmente destruiu na atuação, e merece o reconhecimento por seu trabalho.
Por fim, a dupla formada por Billy Crystal e Meg Ryan foi responsável por anunciar o prêmio mais importante: Melhor Filme.
Após uma temporada de premiações que inicialmente apontava em várias direções, as últimas semanas e o desenrolar da própria cerimônia indicavam um favorito claro, e “Anora” foi finalmente coroado como o Melhor Filme no Oscar 2025.
A vitória de “Anora” simbolizou uma convergência entre o prestigioso Festival de Cannes e a Academia de Hollywood, duas instituições cinematográficas que nem sempre concordam em suas avaliações.
Sean Baker retornou ao palco, desta vez acompanhado por toda a equipe do filme, para um breve agradecimento final, evidenciando como o tempo da cerimônia já estava extremamente apertado.
Conan O’Brien encerrou a noite de forma apressada, mas não sem antes destacar que os resultados da cerimônia, de certa forma, justificavam a importância do cinema independente, mesmo em um contexto onde produções mais comerciais também receberam reconhecimento.
“Anora” entra para uma lista de filmes independentes ou de menor orçamento que derrotam grandes produções na categoria Melhor Filme no Oscar. Considerando os últimos seis vencedores da categoria (desde “Parasita”, em 2020), é correto dizer que pelo menos cinco se encaixam neste critério (a exceção é Oppenheimer, de 2024).
E se ampliamos a lista para os últimos 10 anos (desde “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, em 2017), sete filmes menores venceram o Oscar de Melhor Filme (como exceções, além de “Oppenheimer”, “A Forma da Água” e “Green Book: O Guia”).
Ou seja, o cinema autoral se consolida como relevante para determinar os critérios de escolha entre os votantes da Academia, mostrando que ter todo o dinheiro do mundo não está resolvendo.
Para a lista completa de vencedores, acesse o site oficial da Academia de Hollywood.