Eu estou em quarentena. Estou fazendo a minha parte. Por mim. Por você. Por nós.
Posso fazer o meu trabalho de casa, mas não me chame de privilegiado. O fato de poder ganhar o meu dinheiro em casa através da internet não me torna um privilegiado. Nos últimos meses, eu perdi contratos e patrocínios, pois a crise é global. E faço parte do grupo de risco, por ter diabetes. Ou seja, a minha vida está em risco.
Tenho 41 anos, e eu posso perder a vida esse ano.
Não sei você, que está aí desesperado para voltar ao mercado de trabalho para conseguir comida para a sobrevivência da sua família. Eu até entendo o seu lado, e confesso que me sinto um privilegiado por poder realizar o meu trabalho isolado de tudo e todos nesse momento. Porém, quero que você entenda o meu lado, o lado de mais de 13 mil pessoas que contraíram o coronavírus e, principalmente, compreenda o sentimento de dor e perda dos parentes e amigos das mais de 800 pessoas que morreram por causa de um único vírus.
Estou isolado de tudo e de todos. De amigos, colegas de trabalho, colegas de coral e das pessoas que eu amo. Porque eu estou com medo de morrer esse ano Eu, que achava que não tinha medo da morte pelas minhas convicções religiosas (e não está me faltando falar com Deus nesse momento, antes que você fale qualquer coisa) descobri que estou morrendo de medo de desaparecer desse mundo por causa de um vírus que não tem cura.
E, ainda assim, estou tentando sobreviver ao pesadelo diário de olhar para um dia de cada vez, e fazer o que puder para salvar o máximo possível de vidas. Porque, no final das contas, eu estou isolado para que você possa se salvar.
Uma das mais duras lições que o COVID-19 está ensinando para um enorme número de pessoas que jamais parou para pensar dessa forma é que, para que EU me salve, eu preciso proteger O OUTRO. De nada vai adiantar eu me proteger se não abraçar internamente a nobre missão em proteger o outro. Porque qualquer um que não esteja devidamente protegido PELO OUTRO pode levar o vírus para alguém que eu amo.
De forma inevitável.
Sim, amigo leitor. Para o seu desespero, você será obrigado a parar de pensar nos seus interesses individuais e agir em benefício de todos. Ser solidário nesse cenário vai além de doar uma roupa velha para os asilos e orfanatos, ou distribuir pratos de comida para mendigos. Significa que você terá que RENUNCIAR ao seu direito de fazer o que entende ser o melhor para você e sua família, e agir pelo coletivo. Pelo bem comum.
Eu sei. É difícil aceitar conceitos comunitários em um mundo que ensinou a todos que o melhor vence. Lamento, mas você aprendeu errado. Nós aprendemos tudo errado ao longo das últimas décadas. Todo um sistema estava tão errado, que entrou em colapso diante de um inimigo invisível.
E, nesse momento, eu só posso implorar que você, ao ler a minha súplica pela própria vida, que repense valores, conceitos e prioridades. De novo: eu entendo que tem muita gente desesperada para pagar as contas e colocar comida na mesa. Mas… ainda assim, estão melhores do que aqueles que tem as estrelas como teto e o vento frio do outono como paredes… mas não contam com água e sabão para se protegerem do coronavírus.
Minha irmã mais velha teve o coronavírus em São Paulo, e disse, com todas as letras: “não é fácil, mesmo sendo leve… não brinquem com essa doença… fique em casa…”. Eu não quero para mim o que ela teve. E não desejo para ninguém o que ela sentiu.
Não desejo para ninguém esse série de terror que se transformou a temporada 2020 em nossas vidas.
Então… fique em casa. E acredite no isolamento.
Vai faltar comida na sua casa? Então, seja menos orgulhoso e peça ajuda para quem pode (e, em muitos casos, quer) ajudar. Vai ser uma dura lição que você vai aprender (entre tantas duras lições que o COVID-19 está deixando em todos nós), mas ao menos você vai sentir o mesmo que aquele mendigo que parou na porta da sua casa tantas vezes pedindo comida ou ajuda, e você disse um sonoro NÃO.
Tenha paciência e espere que o mundo seja seguro lá fora de novo. Até porque, sendo bem sincero: quem é que vai ser estúpido o suficiente para sair por aí nesse momento e colocar em risco a própria saúde por atividades que não são consideradas de extrema necessidade? Tá, eu sei que tem muita gente que pensa dessa forma (em todo o Brasil), mas quero acreditar que você, que está lendo esse texto, é mais inteligente e sensato que a maioria.
Aprenda a renunciar a alguma coisa na sua vida AGORA para que todos possam terminar esse pesadelo bem e com o menor número de perdas. Todos vão perder alguma coisa com essa pandemia. Logo, pare de se achar um privilegiado, entendendo que não existe espaço na sua vida para abrir mão de alguma coisa, ou que só você não pode perder dinheiro. Mas se ainda assim você acha que tem o direito de fazer o que quer nesse momento, pode sair na rua para abraçar desconhecidos, pois a sua alma já está morta, e esqueceram de enterrar o seu corpo.
Pois é… estou sendo duro com pessoas insensatas porque não quero desistir. Não importa quantos desafetos eu vou ganhar. Vou aceitar todos os xingamentos daqueles que estarão vivos.
Pois a cada vida que puder ser salva com as mensagens de alerta que vieram da minha mente entristecida, perturbada, paranoica e consciente da realidade, a minha felicidade será imensa. Poder olhar de novo para parentes e amigos que conseguiram superar a maior crise epidemiológica da minha geração é testemunhar da forma mais edificante a história sendo escrita.
Eu peço. Eu imploro. Pela minha vida. E pela sua vida também.
Comece a proteger o outro para que todos se salvem.
Obrigado pela atenção.