Press "Enter" to skip to content
Início » Cinema e TV » Mais do que amigos: FRIENDS

Mais do que amigos: FRIENDS

Compartilhe

Quando olho para trás, vejo que o ano de 1994 não foi tão legal quanto acreditava que era.

No cabo de guerra da vida, perdemos Ayrton Senna e vencemos uma Copa do Mundo. Porém, perdia espaço na minha casa porque minhas irmãs passaram a ter filhos com maior frequência que coelhos, não era a pessoa mais popular da escola, enfrentando os problemas típicos de uma pessoa preta no interior de São Paulo, e tinha poucos amigos.

Naquele ano, aceitei a sugestão da minha mãe, e fui procurar aprender espanhol no Centro de Estudos de Línguas (CEL) de Araçatuba (SP), além de desafiá-la de vez ao começar a minha jornada no canto coral, algo que ela não queria que eu fizesse de jeito nenhum.

Foram duas das mais importantes e acertadas decisões da minha vida. Pois nos dois cenários, tive a oportunidade de conhecer o tema principal deste artigo.

Amigos.

Friends estreou nos EUA em 22 de setembro de 1994, em um mundo muito diferente ao que temos hoje. E é até engraçado escrever sobre isso, pois todo mundo que viveu a época entendia que estava vivendo na modernidade e na prosperidade.

Ver jovens adultos com pouco mais de 20 anos em Nova York vivendo rotinas e desafios para encontrar um lugar ao sol era algo empolgante. Dentro do contexto da época, com uma economia norte-americana mais forte e os jovens reencontrando a própria voz após uma Guerra do Vietnã que tirou essa oportunidade da geração anterior, Friends caiu como uma luva.

A série criada mor David Crane e Martha Kauffman se posicionou em uma perspectiva perfeita para prosperar na TV norte-americana: na capital do mundo, a terra que representava todas as oportunidades (“se você pode vencer em Nova York, pode vencer em qualquer lugar”, como bem disse Frank Sinatra), apostando em um grupo de amigos que estava na idade ideal para começar os seus sonhos.

Dizem que nos inspiramos em nossos irmãos mais velhos para projetar o nosso futuro. Bom… eu não podia fazer isso, pois minha mãe iria enlouquecer de vez.

Já pensou? Eu, antes dos 18, colocando mais um filho dentro de casa em voo solo? Não… minhas irmãs já estavam fazendo isso.

Decidi então me inspirar naquele grupo de amigos que me visitavam toda terça-feira à noite na TV a cabo. Comprei a ideia de que cada um deles estavam em suas idas e vindas, encontros e desencontros, mas sempre se ajudando e se apoiando mutuamente.

E fui entendendo que ter amigos era algo muito bom. E que precisava disso para me sentir completo e pertencente ao mundo.

Não me entenda mal. Hoje, percebo que a própria jornada da vida poderia ter me ensinado isso antes. Acontece que, aos 15, eu vivia confortável na minha zona de solidão, pois aceitava isso como um reflexo da rejeição que recebia dos colegas de escola.

De fato, não precisava ser assim.

Tudo o que eu precisava fazer era o mesmo que Friends me apresentou de forma muito clara: me aproximar dos diferentes. Porque eu era diferente dos outros.

Friends tem em seus personagens seis amigos com personalidades e perfis completamente diferentes uns dos outros, mas com existências comuns que se pautavam no companheirismo e na cumplicidade. Eles eram amigos justamente porque eram diferentes. E em comum, havia o mesmo objetivo de prosperarem.

Juntos.

Eu precisava me aproximar dos diferentes. E foi o que eu fiz: abracei as diferenças dos outros para entender (finalmente) que eu era diferente de todo mundo.

E me aceitar dessa forma.

Friends tem esse impacto na minha vida. Que se tornou profundo com o passar do tempo.

Da forma de me vestir ao desejo de morar em apartamento. Da paixão que carrego no peito por São Paulo (que é melhor que Nova York, diga-se de passagem) ao fato de querer trabalhar com computadores e me cercar de tecnologia.

Do desejo de ter amigos e contar com eles no melhor e no pior… até o fato de me casar com a minha melhor amiga de toda a vida.

Foram 236 episódios com 30 minutos de duração (cada) de uma série de TV que, ao longo de 10 anos, me preparou para ser o jovem adulto que me tornei. E muito do adulto que sou hoje existe por causa dessa história.

Pode parecer clichê dizer isso, pois muitos fãs da série vão falar o mesmo.

Mas… lá vai: eu sou o Chandler Bing.

Qualquer pessoa que enxerga em si a mesma complexidade emocional e psicológica de um personagem que é filho de pais separados, com uma mãe ousada no comportamento sexual e um pai que decidiu passar pela transição de gênero, que tem a baixa autoestima combatida com um humor sarcástico e autodepreciativo, e que sempre buscou nos amigos o ponto de referência para compreender o seu lugar no mundo vai se identificar, de forma imediata, com Chandler Bing.

E você não tem ideia do quanto esse personagem me ajudou na vida. Do quão sou grato por ao menos ter mecanismos próprios para aliviar as dores internas, elementos de defesa da agressividade alheia e formas para não me contaminar com a indiferença do outro.

Acredite: a ilha da magia fez com que eu voltasse a assistir Friends no looping. Só para não enlouquecer.

Após 30 anos, Friends é a comédia definitiva. É a melhor sitcom de todos os tempos, e é o meu programa de TV favorito na vida.

Isso não quer dizer que passo pano e relativizo todos os problemas que a série tem. Sim, eu sei que tem piadas gordofóbicas, transfóbicas, homofóbicas e vários cenários de tratamento tóxico, principalmente entre Ross e Rachel (que, no fundo, se merecem, pois ambos são pessoas tóxicas).

Porém, Friends é fruto do seu tempo. Foi escrita refletindo o comportamento da época e, em muitas oportunidades, combatendo estereótipos e preconceitos. Logo, não vou invalidar a série porque evoluímos como coletivo.

Pelo contrário: que bom que aprendemos que tudo isso era muito errado na televisão da década de 1990. Ao menos agora podemos cobrar para que a TV de 2024 seja cada vez melhor.

Sei que o mundo de 2024 não é perfeito, mas está bem melhor que o de 1994. E sou grato também pelo impacto positivo que Friends gerou em nossa sociedade.

Para uma série que teve a coragem de colocar o primeiro casamento lésbico da história da TV norte-americana no ar (e o segundo casamento gay da TV), em uma época em que os EUA era AINDA MAIS CONSERVADOR que hoje…

Pouco posso imaginar o quão revolucionário foi isso para aquela época.

Sem falar em outras pautas como mãe solo, adoção, barriga de aluguel, combate aos relacionamentos com diferenças de idade, empatia e solidariedade nos diferentes campos da vida…

Sim… estou passando pano para Friends, pois diferente de quem viu a série na Netflix ou no Max, eu estava lá quando tudo aconteceu. E entender o contexto da época é importante para estabelecer uma avaliação justa.

Por fim…

 

Esse texto existe para celebrar Friends, mas também para celebrar os meus amigos. As pessoas que fazem parte da família que eu escolhi construir. Das pessoas que chegaram e ficaram na minha vida.

Para cada uma dessas pessoas, muito obrigado por me receber em suas vidas, me aceitando com imperfeições e me incentivando a ser alguém cada vez melhor. Obrigado pela confiança, pela cumplicidade, pelo respeito e pela empatia.

Para algumas de vocês, muito obrigado pelo sexo também. É sempre muito incrível.

E para quatro desses amigos…

 

Dizem que qualquer pessoa pode se considerar feliz na vida quando pode dizer que teve cinco amigos para uma vida inteira.

Nesse momento, eu tenho pelo menos quatro: Tiago Manoel, Thiago Bispo, Bruna Bruno e Dalva Teruel.

Vocês quatro são os meus FRIENDS ORIGINAIS. Os amigos para a vida toda. São as pessoas que vou carregar comigo até o fim da vida.

Obrigado por existirem, insistirem e persistirem. Por aguentarem minha personalidade perfeccionista, mas por me oferecerem o espaço em suas vidas para que eu possa ser eu mesmo.

E até mesmo em vocês eu tive a influência de Friends. Até neste aspecto existe muito de Chandler Bing em mim.

Afinal de contas, além de ter uma Monica obstinada e muito amorosa (Bruna), um Joey meio atrapalhado, mas com um enorme coração (Thiago Bispo), e um amigo que é muito mais inteligente do que eu e que prosperou justamente por sua habilidade intelectual (Tiago Manoel), eu tive a sorte de me casar com a minha melhor amiga, e ser feliz com ela por 12 anos (Dalva), tal e como Chandler fez.

Olha… se Friends não é a série mais influente de todos os tempos, eu sou uma Air Fryer.

Obrigado por chegar ao final do texto.

E se você é meu amigo, lembre-se: “I’ll be there for you”.


Compartilhe
@oEduardoMoreira