O Forrest Gump sempre esteve errado.
A vida não é como uma caixa de bombons de chocolate. Na vida real, você abre a caixa esperando um doce delicioso e encontra um boleto vencido. Ou, no meu caso, um smartphone apaixonado por natação sincronizada em uma pia de cozinha.
Era um final de tarde como outro qualquer, onde eu higienizava a louça do almoço antes do anoitecer (ou melhor, antes que a preguiça tomasse conta da minha alma). Confesso que estava tão centrado na tarefa quanto um equilibrista de monociclo em dia de ventania, e tomei a estúpida decisão de equilibrar o smartphone entre o ombro e a orelha, deixando as duas mãos ocupadas com a louça.
Normalmente eu uso fones de ouvido sem fio para me comunicar enquanto trabalho em outra coisa. Mas naquele dia, decidi tomar a pior decisão possível.
O som de pratos e talheres se misturava ao meu monólogo telefônico sobre a última fofoca envolvendo Karla Sofía Gascón, quando em um movimento digno de um passinho de um dançarino amador, o smartphone deslizou graciosamente do meu ombro e mergulhou de cabeça nas profundezas espumosas da pia.
“Aí vem o desespero… machucando o coração…”
Ouvir o telefone caindo na água foi a sinfonia da mágoa (sem trocadilhos). Nada de fogos de artifício digitais, nem coral de anjos tecnológicos celebrando o batismo aquático do meu gadget.
Houve, isso sim, um som abafado, um mergulho acidental desesperado, seguido de um silêncio sepulcral que prenunciava o pior.
Retirei o coitado das águas turvas e sujas com molho de tomate da macarronada do almoço como se estivesse resgatando a Rose do naufrágio de Titanic em miniatura.
A tela, antes vibrante e cheia de notificações e memes, agora ostentava uma palidez fantasmagórica, pontilhada por gotículas traiçoeiras que pareciam zombar da minha burrice.
E então, aconteceu.
Em meio ao meu desespero mudo, ao meu luto tecnológico precoce, o celular… cantou.
Sim, cantou!
E não era um gemido eletrônico agonizante, nem um último suspiro digital. Era música, meus amigos. Música de verdade. Só que… diferente.
Uma melodia familiar, porém estranhamente distorcida, como se interpretada por um coro de robôs enferrujados debaixo d’água.
Demorei alguns segundos para descobrir qual música era aquela, pois o meu cérebro ainda processando o choque e o absurdo do incidente.
“Águas de Março”.
Meu smartphone afogado estava, literalmente, cantando “Águas de Março”.
A ironia da situação me atingiu como um balde de água fria – metaforicamente, claro, porque o balde de água fria, nesse momento, já era o meu próprio smartphone.
Certo de que o telefone está utilizando os seus últimos segundos de vida para tirar sarro da minha cara, lá vou eu atrás de uma solução.
Em busca da salvação
O pânico se instalou.
O que fazer?
Googlei freneticamente “celular caiu na água o que fazer”, esperando encontrar um milagre para ressuscitar o meu companheiro digital (ou uma das minhas ferramentas para ganhar dinheiro, pois as chances de me tornar um indigente acabaram de aumentar).
As respostas, previsíveis e terrivelmente inúteis, pipocavam na tela do computador, que ainda estava seco e funcional porque eu não levei o notebook para conversar no chat do UOL enquanto lavava a louça.
E o procedimento sugerido como resposta foi:
- “Desligue imediatamente”
- “Remova o chip e o cartão de memória”
- “Seque com um pano seco”
- “Coloque no arroz”
ARROZ? Sério?
Em pleno século XXI, com toda a tecnologia à nossa disposição, a solução para um celular afogado seria… arroz? Parecia piada.
Mas é justamente no desespero que tomamos medidas desesperadas. E o arroz era a minha tábua de salvação no meio do tsunami que era a minha vida com o smartphone molhado.
Corri para a cozinha, esvaziei metade do pacote de arroz cru em um pote, e depositei o smartphone no meio do grãos, como se estivesse colocando um sarcófago tecnológico em um túmulo de carboidratos.
Esperei.
Esperei horas.
Esperei com a paciência de um monge budista em greve de sono. Algo que, para mim, é muito mais difícil, pois eu adoro comida.
De tempos em tempos, verificava o estado do paciente, esperando um sinal de vida, um brilho na tela, um som… qualquer coisa.
Nada.
Exceto o fato que o smartphone seguia cantando, baixinho, fanhoso: “são as Águas de Março fechando o verão… é promessa de vida no meu coração…”.
Meu smartphone não só havia sobrevivido à imersão aquática, como agora havia se tornado um artista conceitual, combinando performance musical com instalação gastronômica.
Outras táticas “infalíveis” (e igualmente estúpidas)
É óbvio que o persistente aqui manifestou ainda mais a sua burrice, reproduzindo dicas e soluções que encontrou no TikTok.
Primeiro, o secador de cabelo (PELO AMOR DE DEUS, NÃO TENTEM ISSO EM CASA!).
Direcionei o jato de ar quente para o celular, imaginando que estaria evaporando a umidade maligna que o corroía por dentro.
Resultado?
O celular ficou… quente. A carcaça quase derreteu, e os componentes internos superaqueceram.
E ele seguia cantando “Águas de Março”, agora em versão sauna finlandesa.
Tentei o sol.
Deixei o aparelho implorando por misericórdia sob o sol escaldante da tarde (no dia seguinte, obviamente – não vou cometer o erro de continuidade que tanto critico nos filmes), na esperança de que o astro rei expulsasse a água intrusa com seus raios purificadores.
Tudo em vão.
O smartphone bronzeou levemente e… sim, adivinhem… continuou a sua serenata aquática, agora com um ritmo de reggae praiano.
Cansado, derrotado, e com uma canção do Tom Jobim torturando minha mente, finalmente me rendi. Peguei o smartphone, agora morno, levemente bronzeado, e ainda serenando em “Águas de Março”, e o levei até a assistência técnica.
O técnico, um sujeito com a paciência e o olhar de quem já viu de tudo – e provavelmente já viu mesmo – pegou o aparelho, analisou com um ar de profundo ceticismo, e decretou, com a solenidade de um juiz sentenciando um réu à prisão perpétua:
“Senhor, seu celular… virou um MC Biel misturado com João Gilberto das profundezas da sua pia suja. Não tem conserto. Mas, falando sério… a placa principal está oxidada. Já era.”
Saí da loja com o celular morto-vivo no bolso, cantando baixinho “Águas de Março”, e uma certeza amarga no coração: às vezes, as táticas inusitadas – e inúteis – para salvar um dispositivo molhado só servem para transformar o desastre em… uma comédia musical.
No final, fiquei bem comigo mesmo. Quem precisa de um smartphone que funciona normalmente quando se tem um que canta “Águas de Março” em ritmo de reggae e com a voz afogada pela água?