Em linhas gerais, “Capitão América: Admirável Mundo Novo” é uma espécie de downgrade de “Falcão e o Soldado Invernal” dentro dos propósitos narrativos do Marvel Cinematic Universe (MCU). A série pode não ser tão popular assim, mas ao menos aborda de forma interessante a sucessão do Capitão América e levanta questões políticas que sempre foram pertinentes dentro desse mundo.
Já “Capitão América: Admirável Mundo Novo” usa a política como pano de fundo para que, no final, tudo vire motivações pessoais, com conflitos e soluções reciclados de outros filmes da Marvel.
“Preparar as coisas com mais calma” não pode ser um “quero mais tempo para entregar o mesmo bolo”. A Marvel Studios perdeu seu brilho e ousadia do passado, e lições de erros cometidos em “Invasão Secreta” aparentemente não foram completamente aprendidas ou corrigidas.
Sim, pode ser uma introdução meio apocalíptica. Mas já serve para levantar a pergunta: como será o (pouco alentador) futuro do MCU a partir de agora?
Decepção e frustração
“Deadpool e Wolverine” deu esperanças de que a Marvel Studios assumiria de vez um novo caminho para o seu MCU, sendo mais adulta, ousada e disruptiva, mas sem deixar de ser divertida.
Mas “Capitão América: Admirável Mundo Novo” deixa uma sensação de medo, relutância e estagnação. A narrativa entrega cenas sem a energia e a vivacidade que o público esperava, e até mesmo os filmes das primeiras fases do MCU, que nós consideramos hoje como “ruins”, ao menos tinham o magnetismo de levar as pessoas para os cinemas.
Hoje, filmes como “Homem de Ferro 2” ou “Vingadores: Era de Ultron” foram perdoados pelo tempo (o segundo foi salvo pelos irmãos Russo com “Vingadores: Ultimato”. São melhores em enredo e produção quando comparados com bombas como “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania” e “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”.
“Capitão América: Admirável Mundo Novo” falhou ao tentar sustentar um modelo narrativo que já funcionou no MCU – o thriller geopolítico – acentuando ainda mais a sensação de estagnação e involução.
Tecnicamente, a produção também não entrega o esperado para um filme com centenas de milhões de dólares no orçamento.
“Capitão América: Admirável Mundo Novo” mais parece um episódio especial de duas horas de “Falcão e o Soldado Invernal” na sua estética. O filme tem falhas de edição nas cenas de luta, que foram mal coreografadas, desajeitadas e sem dinamismo.
Compare com as lutas entre Steve Rogers e Bucky Barnes em “Capitão América: O Soldado Invernal”, e você se sentirá constrangido com a dancinha da Carreta Furacão que fizeram em “Admirável Mundo Novo” nas cenas de luta.
O roteiro do filme é confuso e desordenado, e isso aqui pode ser o efeito colateral das muitas refilmagens realizadas em nome da tentativa de entregar uma história mais complexo para o público.
Não há uma linha central de trama (são pelo menos três), e eventos totalmente desconexos foram encaixados como um quebra-cabeça improvisado.
Sem falar na já mencionada reciclagem de conflitos e soluções apresentados em filmes anteriores que não são entregues de forma orgânica, minando a credibilidade do enredo e afastando o expectador de uma experiência envolvente.
Você só liga a suspensão de descrença de verdade quando é tarde demais: quando o presidente Ross se transforma no Hulk Vermelho. Até porque, nesse ponto, qualquer coisa serve para convencer você de que tudo aquilo é coerente.
(e o parágrafo anterior não é um spoiler do filme, pois a Marvel Studios nem teve o cuidado de guardar aquele que poderia ser o grande ponto de virada do filme como uma surpresa – você sabe que isso vai acontecer pelos trailers)
Outra coisa que doeu ver no filme foi a inserção abrupta de personagens para justificar desde já que esse universo já conta SIM com mutantes… como se isso não estivesse mais do que claro nas últimas produções do MCU.
É uma “coleção de adesivos”. São pessoas que não tem absolutamente nada a ver com a trama central, muito menos uma influência efetiva no conflito ou na solução do problema.
É uma estratégia que não desenvolve personagens, prejudicando a coesão do próprio MCU. É pelo puro fan service, preenchendo espaços vazios.
A criatividade morreu na Marvel Studios?
Quem está decidindo as coisas lá dentro? (sim… eu sei que é o Kevin Feige… não precisa me lembrar disso…)
Será que essa pessoa colocou o estúdio inteiro em um ciclo de microgerenciamento que inibe a inovação e a ousadia criativa?
Essa obsessão em manter as narrativas interconectadas resulta em filmes que se tornam “uma obrigação”, e não uma expressão artística e criativa.
Filmes medíocres são aqueles que duvidam da inteligência do público, que cresceu e amadureceu o suficiente para entender que “Capitão América: Admirável Mundo Novo” é um filme “que existe, porque precisa existir”, e não porque “é necessário existir”.
O MCU não tem um caminho claro neste momento. O multiverso fracassou miseravelmente, e a jornada até Doomsday e Guerras Secretas tende a ser totalmente desgovernada, confusa e desprovida de identidade própria.
Nem mesmo a cena pós-créditos de “Capitão América: Admirável Mundo Novo”, que nos primeiros filmes do MCU serviam para conectar as narrativas futuras, serve para alguma coisa. Pior: até essa cena RECICLA A FALA DE NICK FURY NO PRIMEIRO HOMEM DE FERRO, reforçando ainda mais que a Marvel Studios virou um “mais do mesmo”, revirando o seu passado do lixo e acreditando que isso vai salvar seus filmes de qualidade duvidosa.
“Capitão América: Admirável Mundo Novo” teve uma estratégia de marketing agressiva, mas esbarrou no “quantidade não é sinônimo de qualidade”. Além disso, fica evidente que esse filme precisava de AINDA MAIS TEMPO para corrigir seus problemas, mas a Marvel Studios não poderia esperar mais pelos interesses comerciais.
A pressa em lançar filmes que não passaram pela devida atenção para o desenvolvimento da história e de sua produção gerou o ciclo tóxico que testemunhamos hoje: filmes com um protagonismo fraco (e, pelo amor de Deus, não culpem a cor da pele do Capitão América por isso) e narrativas pouco estruturadas e desprovidas de ousadia.
E para piorar a situação da Marvel Studios…
Nos últimos anos, várias séries de TV sobre super-heróis se conectaram melhor com o público da Marvel que cresceu e amadureceu, com universos mais sombrios e melhor estruturados, como são os casos de “The Boys” e “Invincible”.
Falta para Kevin Feige e a Marvel Studios entenderem que o seu público fez a transição para outro local, e que seus filmes precisam migrar para esse lugar onde os seus fãs estão nesse momento.
Eu mesmo comecei a ver os filmes do MCU com 29 anos. Hoje, tenho 46. O meu “eu” de 2008 é completamente diferente da pessoa que sou em 2025.
Para mim, a “fórmula Marvel” não funciona mais como antes.
E quando funcionou nos últimos anos, foi com filmes dirigidos por um cara que conhecia a essência das histórias, a ponto de entregar filmes que se conectavam com um grande público de forma crível, mesmo entregando elementos fantásticos e filmes lotados de piadas.
Mas para desespero da Marvel Studios, esse cara hoje está preparando o novo Universo DC nos cinemas, que pode retomar o protagonismo dos filmes de super-heróis.
Insistir na fórmula de “filme familiar”, forçando uma interconexão de tramas que suprime a identidade e individualidade cada filme é a real ameaça de irrelevância do MCU como conhecíamos.
Ou a Marvel Studios assume de vez sua reinvenção, reavaliando suas estratégias enquanto ainda dá tempo, ou será solapada pelo próprio tempo.
E pelo público, que já está deixando as salas vazias nos finais de semana de estreia desses filmes.