O governador de Tóquio anunciou um plano para implementar creches gratuitas para crianças de 0 a 3 anos a partir de setembro de 2025, numa tentativa de estimular a natalidade na capital japonesa.
A medida parece ótima, mas apenas arranha a superfície de um problema muito mais profundo, que se faz presente e com poucas perspectivas resolução para o futuro.
As projeções demográficas apresentadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Populacional e Seguridade Social (IPSS) estimam que entre 31,6% e 39,2% das mulheres japonesas nascidas em 2000 permanecerão sem filhos durante toda a vida, em um cenário que reflete as escolhas pessoais e circunstâncias socioeconômicas adversas.
Um Japão em crise e desigual
A instabilidade econômica contemporânea contrasta fortemente com o histórico japonês do pós-guerra.
Apesar da baixa taxa de desemprego (menos de 3%) e da economia em expansão, aproximadamente 40% da força de trabalho japonesa atual é considerada “irregular”, caracterizada por empregos temporários e de meio período, com baixos salários e sem benefícios.
A desigualdade de gênero no Japão é particularmente severa, com o país ocupando a 121ª posição entre 153 nações no ranking de igualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial.
E essa situação só piorou nos últimos anos: o país caiu 41 posições desde 2006, quando ocupava o 80º lugar no mesmo ranking de desigualdade.
A disparidade salarial no país é gritante: as mulheres recebem apenas 70% do salário dos homens pelo mesmo trabalho, e 60% delas abandonam suas carreiras após a maternidade.
Em um cenário como esse, é muito difícil manter uma família com apenas uma fonte de renda.
Sem falar no desequilíbrio dentro de casa nas famílias estabelecidas, já que as mulheres dedicam cinco vezes mais tempo às tarefas domésticas e aos cuidados infantis do que os homens. Apenas 17% dos novos pais tiram licença-paternidade, com média de 46 dias.
Ou casa e tem filhos, ou tem uma carreira
As longas jornadas de trabalho, combinadas com expectativas culturais tradicionais sobre papéis de gênero, criam um ambiente onde muitas mulheres se veem forçadas a escolher entre carreira e família, contribuindo de forma decisiva para a baixa taxa de natalidade.
A mudança nas leis trabalhistas dos anos 1990, permitindo maior flexibilização do trabalho temporário, junto com as pressões da globalização, resultou em uma deterioração da estabilidade empregatícia que caracterizava tradicionalmente o mercado de trabalho japonês.
Neste aspecto, o Japão fez absolutamente tudo errado: não conseguiu se modernizar nos aspectos culturais, está em crise econômica há três décadas (apesar de ainda ser uma economia sólida) e não avançou na sociedade para manter o machismo enraizado na sua sociedade.
Estimular a natalidade no Japão deveria ser o primeiro passo, e é um dos caminhos mais óbvios para começar a resolver o problema.
Mas passa bem longe de ser a solução de tudo.
O problema no Japão é mais profundo, já que é de se questionar se as mulheres por lá realmente querem ter filhos e perder a chance de construírem suas vidas do jeito que quiserem.
Sem falar no fato que as novas gerações já entenderam que os homens muito provavelmente vão limitar suas vidas em vários aspectos.
Não é uma receita de bolo para o povo japonês. Mas são fatos apresentados. Talvez o diagnóstico para combater o problema esteja um pouco equivocado.
Via Nikkei, The Atlantic