REFLEXÕES SOBRE O CANTO CORAL EM FLORIANÓPOLIS
UMA ANÁLISE DO CENÁRIO DE PRESENTE
“Eu seguro a minha mão na sua,
E eu uno meu coração ao seu,
Para que, juntos,
Possamos fazer aquilo que, sozinho, eu não posso,
Não quero,
E não consigo: coral.”
Participei entre os dias 6 e 7 de julho de 2024 da 4ª edição do Festival de Corais Joinville (SC), um evento que, em um primeiro momento, levantou em mim dúvidas sobre sua viabilidade, por conta de obstáculos que apareceram no período prévio de sua realização.
Porém, todas essas impressões foram completamente dissipadas com tudo o que pude ver, ouvir e absorver, tanto dos corais como dos profissionais que desenvolveram os trabalhos de laboratório com os cantores que se propuseram a efetivamente participar do processo de imersão de canto coletivo.
Não é a primeira experiência desse tipo que participo ao longo da minha trajetória como coralista. Levando em consideração os 28 anos de minha prática com o canto coletivo em três estados brasileiros, com certificados de outros laboratórios realizados nos estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, os três anos de conservatório musical e as participações em corais amadores e profissionais, entendo que toda e qualquer oportunidade para rever posicionamentos e atualizar conceitos e perspectivas dessa prática musical são válidas, principalmente quando somos orientados por profissionais de nível acadêmico e altamente gabaritados no assunto.
O que vou compartilhar neste manifesto é resultado não apenas das impressões e conclusões que pude extrair a partir da experiência vivenciada em Joinville, mas também de conceitos e visões práticas que sempre abracei como integrante do canto coletivo.
Até agora, em seis anos participando dos grupos de canto coral em Florianópolis, me privei de expressar tais pensamentos por tentar compreender melhor como o canto coletivo funciona nesta cidade. Agora, compreendo que este é o momento certo para apresentar minha perspectiva e levantar alguns questionamentos pertinentes.
Meu principal objetivo é, quem sabe, iniciar uma ampla discussão sobre o momento presente do canto coral na capital catarinense, identificando os fatores que levaram os grupos de canto coletivo até aqui. Acredito que podemos buscar outros caminhos e perspectivas a partir dos fatos que, com base na minha experiência, visão técnica e conceitual, são mais do que evidentes, mas pouco ou nada abordados ou enfrentados pelos grupos.
Este manifesto é voltado para todos os envolvidos na prática de canto coral em Florianópolis: regentes, coordenadores e cantores.
SOBRE OS PROFISSIONAIS QUE MINISTRARAM OS LABORATÓRIOS
Para colocar em contexto e perspectiva tudo o que será exposto a partir de agora, é necessário apresentar o perfil técnico dos três profissionais que trabalharam conosco nos laboratórios em Joinville:
- Maria José Chevitarese (Regente): Graduada em regência pela UFRJ e mestre em Música Brasileira pela UNIRIO. Professora titular de canto coral, com ampla experiência em Arte e Cultura, focada em canto coral e música coral brasileira do século XX. Criou e dirige os corais infantis da URFJ e Brasil Ensemble-UFRJ, além de idealizar e dirigir o projeto “A Escola Vai À Ópera”, que produz óperas infantis e envolve crianças da rede pública de ensino.
- Luís Gustavo Laureano (Regente coral, Cantor lírico e Pianista): Possui formação na Escola de Música do Theatro Municipal de São Paulo, Conservatório de Tatuí e ETEC de Artes. Atualmente é Bacharelando em Música – Voz pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp sob orientação do Prof. o Dr. o Angelo Fernandes. É Coordenador da Escola de Música de Votorantim “Maestro Nilson Lombardi”, onde fundou e foi o primeiro Regente do Coral Jovem.
- Cezar Elbert (Organizador – Compositor, Arranjador e Diretor Musical): Em 34 anos de carreira, Cezar Elbert escreveu mais de 500 canções e musicais temáticos, com obras interpretadas em todo o Brasil por diversos artistas e grupos.Suas canções “Menino Gigante” e “Corrente de Amor” fizeram parte do programa Criança Esperança em 2007 e 2011. Idealizador do Music for Hope Brasil, Cezar também atua na diretoria do Festival de Corais Joinville.
Levando em consideração as respectivas áreas de especialização, mas com o claro entendimento de que todas as orientações compartilhadas pelos profissionais se aplicam a corais com diferentes características (amadores e profissionais, infantis, infanto-juvenis, juvenis, adultos e de 60+), apresento neste manifesto os tópicos mais relevantes sobre os temas tratados nas oficinas.
Também compartilho as impressões sobre o resultado final apresentado pelos grupos que se apresentaram no Festival de Corais Joinville, e tudo o que pode (ou melhor, deve) ser aplicado de forma imediata nos diferentes trabalhos de canto coral realizados em Florianópolis.
Respaldo minhas visões conceituais e técnicas em todo o aprendizado que assimilei com regentes e coordenadores de canto coral com formação acadêmica na área e credibilidade comprovada (Marcos Leite, Alexandre Amaral Tôrres Sanches, Samuel Kerr, Pablo Trindade, Marisa Fonterrada, Carla Roggenkamp).
A partir de agora, as minhas reflexões sobre o cenário atual do canto coral em Florianópolis.
SOBRE O PAPEL DOS REGENTES
(com base nas orientações passadas nos laboratórios específicos e experiências anteriores)
- É dispensável destacar que o regente tem a função de “ligar” o grupo de cantores, oferecendo um claro direcionamento e organização na proposta musical do coletivo. Porém, é fundamental reforçar de forma pertinente que é de responsabilidade máxima do regente a promoção, fomentação e desenvolvimento da EDUCAÇÃO MUSICAL dos seus cantores, oferecendo as ferramentas necessárias para entregar o canto coral com qualidade e unidade sonora necessárias.
- Há um “mito” sobre a perspectiva de “canto coral de qualidade” em boa parte dos corais de Florianópolis, onde muitos entendem “que isso só pode ser alcançado por grupos com cantores profissionais” ou com conhecimento em teoria musical. Essa ideia é completamente eclipsada quando olhamos para diversos aspectos implícitos na prática do canto coletivo, e nos fatos apresentados pelos profissionais ministrantes dos laboratórios e pelos grupos que se apresentaram no Festival de Corais Joinville.
- Para começar, estudos apontam que 95% dos coralistas ao redor do mundo DEPENDEM EXCLUSIVAMENTE DO REGENTE para a prática de canto coletivo, já que não contam com o hábito de estudo individual ou com o conhecimento teórico para um processo de aprendizado em casa. Ou seja, são cantores amadores.
- Logo, partimos do princípio de que a esmagadora maioria dos corais são amadores ou compostos de cantores que não conhecem a teoria musical. E o fato de um coral “ser amador” (porque bem sabemos que muitos corais da cidade também contam com finalidades comerciais, inclusive para sobreviverem como entidades independentes) não pode servir de justificativa para que o regente não se esforce em alcançar os melhores resultados dos cantores em áreas consideradas fundamentais para o canto coletivo, como: percepção, timbre, afinação, unidade de postura corporal, solfejo, senso de atenção e urgência, concentração, foco e interpretação da peça, entre outros.
- Desse modo, é fácil concluir que o regente que, de forma intencional ou por ausência de conhecimento pleno na área, não oferece todas as ferramentas possíveis para que o seu coralista se desenvolva nos aspectos musicais (principalmente no caso dos coros infantis e amadores, que dependem exclusivamente de suas orientações) pode ser encarado como “desleixado e preguiçoso”. Afinal de contas, é muito mais fácil trabalhar o desenvolvimento técnico apenas com cantores profissionais, pois todos esses conceitos já estão incorporados no indivíduo. E a desculpa do “a maioria não sabe ler partitura” não pode ser considerada válida para que o regente não estimule o seu grupo de cantores a aprender e se desenvolver para extrair “o mínimo dos melhores resultados” (isso fica comprovado com tudo o que foi visto nos trabalhos apresentados pela maioria dos grupos participantes do Festival de Corais Joinville em 2024, pois todos eram coros amadores que apresentaram resultados de excelente qualidade, inclusive nos aspectos técnicos).
- Os profissionais que ministraram os laboratórios destacaram a importância da preparação do ensaio de forma prévia, onde o regente deve estabelecer um plano para alcançar os objetivos musicais, sempre levando em consideração a peça a ser trabalhada. Os regentes precisam ter 200% de conhecimento de cada peça a ser trabalhada, para que o grupo possa assimilar 100% do que foi ensinado. Regentes que demonstram ter dúvidas nas peças em desenvolvimento e relutantes no processo em ensinar as vozes começam a perder a confiança dos seus cantores, e detalhes de execução em arranjos precisam ser corrigidos no início do processo de desenvolvimento das peças musicais para evitar a assimilação de vícios que podem ser incorporados pelo grupo.
- Cada item do procedimento de aquecimento deve ser feito pensando nos desafios que uma determinada peça musical oferece, e nas eventuais dificuldades que os cantores e naipes terão que enfrentar em função das características da canção a ser trabalhada.
- Regentes são profissionais da música que precisam ouvir, e muito. Ouvir outros coros, ouvir os timbres dos seus cantores, ouvir as necessidades individuais e anseios coletivos. Não apenas nas questões musicais, mas também na percepção do desenvolvimento do coletivo. O regente precisa ter a maturidade em saber ouvir o grupo de cantores para melhor desenvolver o seu trabalho. É um diálogo entre condutor e grupo de coralistas, e não um monólogo protagonizado por quem está no comando do trabalho.
- Os profissionais que ministraram os laboratórios enfatizaram em detalhes a necessidade de uma melhor compreensão do funcionamento do corpo durante a prática do canto, abordando temas como: o bom trato do aparelho fonador, a atuação das pregas vocais durante o canto, da caixa de ressonância na máscara facial, a mecânica de funcionamento do palato durante o processo de empostação e colocação do som e o trabalho do apoio do diafragma na respiração para a prática do canto coral, entre outros.
- Além disso, foram apresentadas soluções alternativas de técnicas e exercícios para desenvolver a percepção do coralista sobre como o seu corpo pode funcionar melhor em favor do canto. São exercícios práticos e viáveis para qualquer tipo de grupo, independentemente do nível técnico ou da faixa etária.
- Foi sugerido aos regentes participantes dos laboratórios a introdução às noções básicas de canto erudito ou operístico como “ponto de partida” para facilitar o processo de harmonização do canto coletivo em música popular e em outros estilos de repertório. Aqui, a orientação se justifica, uma vez que as já mencionadas técnicas de respiração, apoio do diafragma, empostação, timbre, postura física, abertura de boca e outros aspectos dos cantores são mais fáceis de serem padronizados e adaptados para os demais estilos de repertório a serem desenvolvidos pelo grupo, uma vez que tais características comuns partem da base histórico-técnica do canto coral.
- Em nenhum momento foi dito que “todo coral deve aprender e cantar no estilo empostado de ópera”, mas quando se padroniza tais conceitos na postura corporal e técnica do coro, fica muito mais fácil alcançar os resultados de qualidade sonora em outros estilos musicais.
- O regente precisa envolver o coralista em sua proposta, principalmente na escolha do repertório. Uma música não pode ser escolhida ao acaso ou sem propósito: a escolha deve se basear no nível de dificuldade que o coral vai enfrentar, nos objetivos específicos que devem ser alcançados nessa escolha, nos pontos onde o grupo pode (ou precisa) melhorar nos aspectos técnicos e na comunicação objetiva do grupo com a plateia, com o máximo de cuidado no recado que será transmitido. O coralista precisa ser convencido de que aquele repertório também é dele, e que a mensagem a ser passada ao público também se alinha com suas perspectivas. E é o regente quem tem a missão de mostrar ao grupo que aquela história merece ser cantada.
- Em um mundo totalmente conectado e com diversas vias de acesso a outros conteúdos e repertórios (YouTube, Spotify etc.) e com a enorme facilidade para se encontrar arranjos dos mais diferentes estilos, é inadmissível que um regente não tenha a coragem ou a capacidade de sempre buscar o novo e o diferente nos repertórios, nas mecânicas de ensaio, no desenvolvimento das práticas vocais e no processo de progresso do coletivo como um todo. Viver em uma zona de conforto ou se contentar com o “mais do mesmo” resulta na estagnação do grupo de cantores, que pode se desinteressar em permanecer em uma atividade que se repete o tempo todo, sem novidades ou desafios. Escolhas de repertório que apostam no “caminho mais fácil” o tempo todo resultam em uma natural acomodação do grupo.
- É dever do regente apresentar de forma clara os objetivos principais e específicos do seu coral, seja através de um planejamento de concertos, seja através de uma renovação de repertório. Caso contrário, o coral simplesmente não avança, e a continuidade do trabalho perde completamente o sentido.
- Foi sugerido aos regentes de corais cujos integrantes em sua maioria são membros da faixa etária hoje conhecida como “60+” o distanciamento de um repertório composto de muitas músicas amplamente conhecidas pelos cantores. Não foi mencionada uma exclusão completa das canções que os coralistas conhecem, mas a fundamental inclusão de peças musicais que apresentem o novo para os integrantes, pensando sempre no desenvolvimento musical coletivo, no exercício de memória musical (também para trabalhar as questões cognitivas dos integrantes), os contrastes de sonoridade e as novas possibilidades de repertório que devem ser apresentadas ao grupo.
- Foi abordada também a necessidade da insistência na apresentação de um material musical para o desenvolvimento de repertório, mesmo que seja o mínimo e para a compreensão do básico sobre o funcionamento de uma partitura. Diversos locais onde a prática do canto coletivo acontece a partir de mecânicas mais simples, como o uso de hinários e folhetos, poderiam ser fontes preciosas de inicialização ao desenvolvimento musical orgânico, pois podem estabelecer as bases de um aprendizado teórico que, posteriormente, é aprofundado em escolas de música, aulas particulares ou grupos de canto coral amadores. A formação de cantores mais conscientes também pode começar nesses núcleos musicais presentes em todas as cidades brasileiras.
- De um modo geral, os corais brasileiros estão “desafinando”, pois trabalham na maior parte do tempo “apoiados” em bases harmônicas produzidas no teclado ou piano. Quando esses mesmos grupos tentam executar peças “a cappella”, tendem a desafinar, pois seus cantores não estão habituados ou com ouvidos treinados a sustentar a afinação pela própria autonomia musical do grupo. Foi sugerido um esforço no trabalho de timbre, empostação, abertura de boca, respiração e outros fatores que contribuem na afinação e melhor percepção sonora do coletivo (é um trabalho árduo e demorado, mas é o dever do regente alcançar os resultados de excelência, algo que é tangível para corais amadores e profissionais).
- O regente é um servidor, um elemento de liga do grupo e responsável por organizar os cantores para alcançar os objetivos musicais propostos. Porém, ele sempre está a serviço do seu grupo de cantores, e não o contrário. Se na maioria dos grupos de canto coletivo temos integrantes que são considerados amadores (ou seja, pessoas que amam cantar), é preciso ter em mente que essa participação está diretamente conectada à doação espontânea de tempo para fazer música, e este aspecto precisa ser respeitado pelo regente, como se fosse uma lei.
- Sem os cantores, o regente não é ninguém. Todo e qualquer coral pode cantar com qualquer regente, independentemente do seu nível técnico e de conhecimento. Porém, nem todo regente pode conduzir qualquer grupo de canto coletivo, pois os menos aptos não conseguem transmitir o necessário para extrair o máximo potencial de cantores com conhecimento teórico. De forma inevitável e até inescapável, TODO CORAL É A IMAGEM E SEMELHANÇA DO SEU REGENTE.
SOBRE O PAPEL DOS CORALISTAS
(com base nas orientações passadas nos laboratórios específicos e experiências anteriores)
Os mesmos profissionais que trabalharam nos laboratórios dedicados aos regentes foram os responsáveis pelas orientações passadas para os cantores participantes em seus laboratórios específicos, se alternando entre os grupos infantis e adultos. O objetivo final foi a execução da peça tema do evento: o hino do Festival de Corais Joinville.
Em paralelo, trabalhos específicos com os corais infantis e infanto-juvenis foram realizados e executados para serem apresentados.
Seguem as considerações e reflexões:
- De um modo geral, a grande maioria dos participantes dos laboratórios era composta de cantores de corais infantis e infanto-juvenis, contrastando com a realidade dos grupos de canto coral de Florianópolis (SC), majoritariamente compostos por integrantes na faixa etária adulta ou de 60+. Isso pode indicar um eventual desinteresse ou desorganização dos cantores veteranos no aprendizado de técnicas e práticas de canto coletivo de qualidade.
- Percebeu-se uma efetiva organização dos grupos de cidades como Joinville (SC), Xaxim (SC) Novo Hamburgo (RS), Farroupilha (RS) e Botucatu (SP) na participação efetiva e coletiva dos laboratórios como objetivo principal da participação no Festival de Joinville. Mais uma vez, com presença dominante dos cantores mais jovens. A participação dos cantores de faixas etárias adultas foi residual, o que também impactou de alguma forma no resultado musical apresentado pelos grupos participantes das mostras não-competitivas.
- É fácil concluir que os grupos que participaram dos laboratórios contaram com regentes que estabeleceram o processo de aprendizado com profissionais gabaritados e a integração com diferentes cantores como metas prioritárias, no claro propósito de evolução dos seus grupos. Laboratórios de canto coral também servem para oxigenar a percepção do coralista sobre a necessidade orgânica de interação com cantores de diferentes corais como parte do desenvolvimento da tão necessária socialização para a prática do canto em coletivo, combatendo de forma mais eficiente o individualismo que tanto atrapalha a execução da música com unidade sonora e conceitual.
- Ao mesmo tempo, os grupos que não puderam participar dos laboratórios pelos mais diferentes motivos foram justamente aqueles que evidenciaram deficiências técnicas em suas participações nas mostras não-competitivas. Não é uma mera coincidência: em um ambiente de imersão, o coralista tende a despertar sensos de atenção e urgência, aumentando o foco para o trabalho em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, elevando suas capacidades de percepção sonora e motora, o que melhora de forma considerável o desempenho musical do cantor e, por tabela, do grupo de canto como um todo.
- Durante os laboratórios, foram detectados comportamentos dos coralistas considerados pouco producentes para o desenvolvimento do canto coletivo. O mais flagrante deles é a tendência do coralista em tentar cantar uma peça em processo de aprendizado logo na primeira passagem do regente, sem ouvir com a devida atenção a melodia de sua voz ou naipe, como se quisesse “acertar” a música que, na grande maioria dos casos, o coralista não conhece a linha do seu naipe (porque não sabe ler partitura, em sua esmagadora maioria). Esse é um dos erros mais grosseiros que qualquer participante de canto coral pode cometer.
- Partindo do princípio de que 95% dos coralistas não sabem ler partitura e dependem do regente para aprender a sua linha musical dentro do arranjo, a conclusão mais óbvia é que cabe ao mesmo coralista ser minimamente paciente e ouvir a linha de sua melodia durante o processo de aprendizado, principalmente na primeira passagem do regente, sem “tentar adivinhar” qual é a melodia a ser cantada. Além de ser uma atitude desrespeitosa ao regente, “cantar junto” (e errado) atrapalha os demais cantores do naipe que estão tentando aprender a mesma peça (e perdem a chance de ouvir e compreender a linha melódica que é ensinada naquele momento).
- Se faz necessário que o coralista tenha o mínimo de bom senso em evitar as interrupções, estabelecendo uma comunicação com o regente que se baseia na espera do momento para levantar dúvidas e realizar observações. A tendência de alguns coralistas é entender que o momento de ensaio é um “diálogo” entre ele e o regente, quando na verdade é o momento em que aquele professor que está ensinando a disciplina musical tem o seu momento de fala, cabendo ao coralista se manter em silêncio para ouvir as notas e instruções. Aqui, está reforçado o conceito do “aprender música é ouvir… e você só ouve a partir do silêncio”, e é o regente quem vai determinar a hora que o grupo vai cantar a melodia assimilada.
- Foram evidenciadas algumas questões técnicas que são características dos coralistas da região Sul do Brasil, o que reforça a necessidade de se adotar medidas que enfatizam a unidade conceitual de execução musical. Por exemplo, as deficiências de percepção rítmica (principalmente nos ritmos de música tipicamente brasileira, como samba e bossa nova, onde notas pontuadas e tempos fracionados são mais comuns), de percepção na equalização dos naipes em arranjos polifônicos (onde o tema principal da peça não está o tempo todo em um determinado naipe), na “horizontalização” do som (em função da abertura de boca não uniforme dos cantores, o que resulta em vogais abertas e na desafinação em determinadas peças) e na ausência de homogeneização do timbre em coletivo, principalmente nas peças “a cappella” (derivado de outros pontos já abordados, como ausência de trabalho de apoio diafragmal, uso adequado do palato, da caixa de ressonância craniana, da abertura de boca etc).
- É importante reforçar que a grande maioria dos cantores que participaram do Festival de Corais Joinville e dos laboratórios realizados durante o final de semana do evento são AMADORES, mas que conseguiram entregar, dentro do que foi proposto pelos profissionais de música que ministraram as atividades, os resultados minimamente esperados nos aspectos musicais. O que reforça a ideia de que é sim possível obter um som de qualidade de grupos de coralistas que não são profissionais.
- Por mais que a afirmação de que boa parte dos cantores participantes dos laboratórios era composta de integrantes com faixas etárias mais jovens e já introduzidos aos conceitos de teoria musical e técnica vocal seja válida, é errado pensar que esses são os únicos motivos que permitem que esses mesmos cantores entreguem resultados com a elevada qualidade apresentada durante as mostras não-competitivas e palcos abertos do Festival de Joinville. Tal visão é considerada arcaica, excludente e até intelectualmente limitada, já que é defendida apenas por aqueles que (em teoria) não estão se abrindo para os reais propósitos e objetivos do canto coletivo, pois encaram a atividade do canto coral como “uma distração” ou “um encontro entre amigos” e nada mais.
- Eventos como o Festival de Corais Joinville e seus laboratórios de música existem justamente para derrubar as visões arcaicas sobre as práticas de canto coletivo que foram construídas ao longo de décadas em Florianópolis. Na prática, qualquer PESSOA, indo de 8 aos 80 anos (ou mais), pode se sentir inserida em um conceito de execução prática de canto coral que entrega um resultado sonoro de qualidade, com a consciência de que está fazendo isso porque simplesmente se abriu para o novo, compreendendo o que precisa fazer para contribuir coletivamente para a harmonia musical do grupo.
- Experiências como são os laboratórios de canto coral existem não apenas para promover o desenvolvimento técnico do coralista, mas também para promover uma transformação interna do indivíduo, que passa a abraçar novos propósitos e objetivos dentro da sua jornada na prática do canto coletivo. Desperta naquela pessoa aspectos que poderiam estar adormecidos inclusive por não serem estimulados pelo regente, ou porque aquele cantor simplesmente precisava do “choque de realidade” ao trabalhar com outros profissionais da música que apresentam essas novas perspectivas.
- Para aqueles que tiveram a oportunidade e se entregaram ao “momento de imersão” que vai além de aprender uma peça complexa em menos de 24 horas, o Festival de Corais Joinville e os laboratórios de canto coletivo foram experiências que superaram as expectativas. Um “recarregar de energias” que tira qualquer pessoa da obsolescência técnica e musical que (infelizmente) se faz presente na grande maioria dos grupos de canto coral em Florianópolis que, neste momento, apostam em repertórios engessados pelo tempo (sob o pretexto do “é o que o povo daqui gosta de ouvir” – até porque os grupos não apresentam novas propostas musicais), ou pela facilidade de desenvolvimento de um repertório familiar aos cantores, já que nenhum trabalho eficiente de formação musical dos coralistas é realizado neste momento (que, em muitos casos, envolve pessoas que nunca cantaram em um coral antes).
- Uma conclusão alarmante: o canto coral em Florianópolis está, de forma factível, muito defasado nos aspectos conceituais e técnicos. A grande maioria dos grupos de canto coral está com uma qualidade musical muito abaixo dos trabalhos apresentados no Festival de Corais Joinville, e isso acontece pelos diversos motivos compartilhados neste manifesto. Aqui, aproveito para acrescentar que falta aos grupos de canto coletivo da capital catarinense a capacidade de “pensar fora da caixa” para buscar soluções e inovações para este desenvolvimento artístico, inclusive na carência de renovação dos grupos e em uma efetiva formação ou aproximação de novos cantores, com raras exceções.
- A ausência de integração dos cantores de Florianópolis com os demais participantes do Festival de Corais Joinville e dos laboratórios de canto coletivo ficou flagrante, e se confirma como uma realidade prática da cidade neste momento. Não há uma proposta de efetiva interação com outros cantores, nem mesmo para uma troca de experiências ou socialização, reforçando um comportamento que se tornou rotineiro inclusive entre os corais da cidade. A impressão que fica (e isso parte de alguns regentes) é que existe uma espécie de “rivalidade” (velada ou declarada), impedindo que corais com diferentes filosofias musicais possam aprender com trabalhos diferentes.
- Por fim, também ficou evidente uma falta de interesse por parte dos grupos de canto coral de Florianópolis (inclusive dos coralistas) em conhecer o que está acontecendo nos movimentos de canto coletivo em outras regiões do Estado de Santa Catarina ou em estados vizinhos. Existe um flagrante e mais do que materializado conceito do “o meu mundo me basta e nada mais importa” na grande maioria dos projetos estabelecidos na capital catarinense, o que reforça a visão obsoleta que reflete o atraso técnico apresentado pela maioria dos corais estabelecidos na cidade. De novo: os corais que participaram do Festival de Joinville são TODOS AMADORES, mas que abraçaram filosofias e propósitos de desenvolvimento musical contínuo em nome de um resultado de qualidade.
Joinville está se tornando “a meca do canto coral” em Santa Catarina porque basicamente decidiu investir na formação de uma cultura de canto coletivo de qualidade a partir da base, e já colhe frutos por isso. Chega a ser algo surpreendente e, ao mesmo tempo, faz todo o sentido: qualquer projeto com propósito alcança resultados sustentáveis.
Da minha parte, encerro esse manifesto ciente de que serei muito questionado e criticado pelas visões aqui apresentadas. Porém, estou consciente de que minha perspectiva está consolidada pelos anos que trabalhei a sério com canto coral em São Paulo e no Paraná, aprendendo com alguns dos melhores regentes e arranjadores do Brasil, sem falar nos anos de conservatório de música e nos diversos laboratórios de canto coral que fiz ao longo de 28 anos de atividades.
Participar do Festival de Corais Joinville e ter esse contato direto com os profissionais que compartilharam os seus conhecimentos nos laboratórios apenas reforçou em mim os conceitos que sempre foram uma realidade prática na minha jornada como coralista.
E sei que não sou o melhor cantor que você vai conhecer, pois reconheço minhas limitações, medos e inseguranças que sempre existiram (e permanecem) nos mais profundos aspectos do meu “eu racional”.
Em mim, busco de forma obsessiva o acerto pelo pavor de errar e fracassar, e sei que devo melhorar este aspecto para ser um coralista mais feliz. E não desisto de progredir em nome do meu amor à música.
Mas uma coisa é fato: não seria o coralista que sou hoje se tais visões apresentadas neste manifesto não estivessem internalizadas em minha essência.
“A atividade do Canto é, desde o aparecimento da raça humana, uma das mais antigas manifestações de comunicação e arte. Possuem em sua manifestação diversos aspectos que motivam a sua aplicação como meio didático em grupos infantis, juvenis e adultos.
Isto porque, além de sociabilizar os participantes em uma atividade absolutamente prazerosa, possibilita um ganho individual no que diz respeito à concentração, disciplina e um ganho no potencial artístico de dimensões e possibilidades muito amplas.
Didaticamente, independe de faixa etária, de gosto musical, credo, cor ou visão política.
A autoestima cresce junto da capacidade técnica e vocal de cada pessoa, a partir do momento em que a pessoa se dá a chance de viver esse vício tão valioso e prazeroso de ser vivido.”
Grato pela atenção.
Eduardo Moreira Garai da Silva
Coralista (com muito orgulho) desde 1996