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Sem diversidade, o brasileiro perde identidade

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Eu tentei ser o mais sensato possível diante desse tema, mas não existe outra forma de falar sobre o assunto que não seja direta e com palavras duras. Pois é duro e doloroso demais ver um líder de uma nação tão estúpido e atrasado, que não consegue (ou não quer) enxergar que o mundo vai muito além de sua latente ignorância.

Ou talvez ele use desse recurso narrativo para desviar o foco para o que realmente importa: governar o país para mais de 200 milhões de brasileiros, e não para 57 milhões de eleitores. Ele e seus filhos não entenderam que a campanha acabou, que o Lula está preso, que o PT virou piada e que a bola para brincar no parquinho está com eles.

Eu não devia usar a metáfora do parquinho. Isso me faz lembrar que o Brasil é governado por crianças que ainda não saíram da 5a série B.

Enfim…

Não vou ficar explicando os conceitos teóricos de diversidade. Prefiro falar sobre os efeitos práticos que essa palavra tem na minha vida (e quem sabe na sua vida também), na tentativa quase desesperada de fazer com que os ignorantes que apoiam a decisão de banir o comercial do Banco do Brasil, que acreditam de forma irracional na cura gay e que insistem em não respeitar o diferente comecem a pelo menos pensar na mera possibilidade de olhar para o próximo com o mínimo de dignidade.

Para mim, diversidade é poder escutar todos os estilos musicais sem ter a estigma que um tipo de música é ruim porque eu não gosto. É possível encontrar canções de rap, heavy metal e hip-hop de alta qualidade, desde que você aplique filtros para isso. Da mesma forma que João Gilberto e Tom Jobim são simplesmente horrorosos cantando, mas são compositores excelentes. No lugar de rejeitar algo porque não gostamos, devemos procurar conhecer e absorver o melhor de cada estilo musical. E aprender a ouvir de tudo.

Ver filmes de diferentes estilos é diversificar. É se permitir experimentar diferentes emoções e sensações e, dessa forma, se tornar um ser humano ainda mais propenso a manifestar sentimentos e pensamentos sem travas, com gentileza e inteligência. Diversidade é vibrar com um filme de ação, se emocionar com um drama, querer beijar alguém com uma história de amor e ficar excitado ao ver um filme pornô. E tirar boas lições de histórias com diferentes perspectivas.

Diversidade é abraçar um homossexual de forma fraterna, respeitosa e com amor no coração, por entender que o principal ponto de união no gesto está no fato de serem duas pessoas celebrando o convívio pacífico e harmonioso. É entender que aquela pessoa não escolheu ser assim, mas nasceu assim. E que ser dessa forma significa ser ela mesma, com a coragem de se expor ao mundo como é. Se homossexualismo é uma doença ou um vírus transmissível, eu já estava contaminado a essa altura da minha vida. Curiosamente, eu convivo todos os dias com homens e mulheres que sentem atração por pessoas do mesmo sexo, e cada vez mais eu continuo gostando de me relacionar com as mulheres.

Sexualmente falando, inclusive.

Aliás, todo hétero convicto deve agradecer pela existência de um homossexual no recinto, pois isso significa uma concorrência menor para conquistar uma mulher. Agora, se o macho alfa homofóbico não tem competência para conquistar mulher nenhuma, isso é outra história, e os gays não tem nada a ver com isso.

Diversidade é não ter a sua heterossexualidade ameaçada por cantar “Freedom” de George Michael, pois você entende que essa música foi um dos maiores gestos de abertura e liberdade de condição sexual que o mundo já viu. Um ato de coragem emocional e sem precedentes, além de ser um dos maiores hits da música pop. É apoiar Lady Gaga cantando “Born This Way” no Super Bowl para que a nação norte-americana entenda que toda uma comunidade LGBT+ que se sente excluída por ser diferente dos “padrões estabelecidos pela sociedade cristã ocidental” não está sozinha, e que merece ter uma voz dizendo que é um grupo de seres especiais e dignos de empatia por nascerem assim. É entender que “Beautiful” de Christina Aguilera é uma canção tão forte e poderosa, que ajudou a recuperar a auto estima de muita gente que pensou em desistir da própria vida por não aceitar a sua essência.

Ter inteligência e sensibilidade para entender e aceitar tudo isso sem afetar as convicções pessoais é se valer da diversidade para ser alguém melhor.

Diversidade é você não se sentir obrigado a namorar ou casar com uma mulher negra por ser negro. É exatamente o contrário: é você ter a liberdade de misturar etnias e culturas. Diversidade é ser maluco por macarronada e ser apaixonado por feijoada. É chorar ao ouvir o Andrea Bocelli cantar e enxergar em Michael Jackson um gênio da música. É vibrar com James Brown dançando da mesma forma que nos encantamos pelo bailar de Fred Astaire. É a capacidade de completar o que falta em você ao enxergar algo de especial em quem é diferente de você em detalhes que vão além do superficial. É conhecer o diferente na essência, com profundidade.

Ter a coragem de ser diferente em um mundo de iguais é também abraçar a diversidade como filosofia de vida. É não ter medo de abraçar com amor um soropositivo, pois pessoas inteligentes sabem que não é assim que se contrai o HIV. É ter a sensibilidade de entender que o cabelo afro não é um cabelo ruim. É estilo que valoriza a história secular da cultura negra, e ter um cabelo assim é sinônimo de orgulho para aquela pessoa. É até mesmo querer misturar o arroz com o feijão no prato, porque a comida fica mais gostosa dessa forma.

Eu poderia passar o dia apresentando exemplos e apontando formas sobre como o conceito de diversidade precisa ser aplicado em nosso cotidiano para que a nossa vida no mínimo funcione. Pode soar pedante eu dizer que a diversidade é fundamental para determinar se uma pessoa é alguém melhor ou pior, mas também é bem pedante vetar um comercial de um banco com um produto voltado para os jovens (que é hoje a faixa etária que mais abraça a diversidade) que aborda justamente a diversidade para alcançar novos clientes dentro do seu público alvo.

 

 

Mais pedante ainda é achar que a maioria da população é composta de pessoas iguais ou da família tradicional que só existe em comercial de margarina. Ou seja, a família branca composta por pai, mãe e dois ou três filhos. Se nem a família do cidadão que censurou a campanha é considerada tradicional aos olhos cristãos conservadores (você sabia que cada filho dele é de uma esposa diferente? Pois é…), que dirá a maioria dos brasileiros?

E… quer saber? Esse conceito de “família tradicional” é tão distorcido, que revolta qualquer pessoa com o mínimo de inteligência! O que tem de casamento falido e fracassado por aí… com esposa traindo o marido, o marido traindo a esposa, casais héteros que abandonam recém nascidos (onde muitas dessas crianças, de forma até irônica, acabam sendo adotados por casais homossexuais, formando uma família cuja base é a do amor, e isso é o que realmente importa)… família tradicional é esse lixo de valores? Sério mesmo?

Não aceitam casais gays, mas infidelidade hétero está valendo, pois é isso o que os tais “valores cristãos” defendem? Um homem beijar outro homem não pode, mas o cidadão casado ver filme pornô escondido da esposa onde duas mulheres nuas ficam se beijando e se acariciando está valendo? Ter mais negros do que brancos em um comercial de um banco estatal não pode, pois segundo os responsáveis pela censura “estão tomando a exceção como a regra, e a maioria não gosta disso”? Engraçado… que maioria branca é essa, já os dados estatísticos mostram que pardos e negros juntos são a maioria étnica no Brasil?

Agredir e matar negros e homossexuais no Brasil pode. Agredir e matar mulheres no Brasil está valendo. Ser preconceituoso contra o diferente virou lei.

Não pode virar a nação gay, mas se os turistas quiserem vir ao Brasil para transar com as mulheres brasileiras, são muito bem vindos?

Sério mesmo?

Eu fico doente com essas coisas!

Saber que a posição oficial do Banco do Brasil é que “trataram a exceção como regra, e a maioria não gostou disso” é entender que o racismo, a homofobia e outros preconceitos estão mais que institucionalizados dentro das organizações governamentais nesse momento. Não olhar para a diversidade como algo digno de respeito é assinar para quem quiser ver que esse governo é seletivo. E se essa decisão ganha apoio de parte da população, está confirmado argumentos que eu venho afirmando há muito tempo, e que só ganharam força durante a disputa presidencial de 2018.

Boa parte dos brasileiros, brancos, héteros e que se acham acima de todos os outros é racista, homofóbica, misógina e xenofóbica. Boa parte dos brasileiros sempre foi preconceituosa, atrasada e alienada. O que acontecia antes é que manifestar esses preconceitos não era algo socialmente aceitável. Na verdade, continua não sendo algo aceitável: pessoas que pensam assim geram náuseas em mentes racionais e evoluídas. Porém, o grupo dos moralmente atrasados ganhou uma voz. Um líder. Uma aberração em desfile para glorificar de pé.

Eu acho incrível como um cidadão que se diz cristão consegue apoiar o preconceito, a tortura e a morte do diferente, apenas porque é diferente. Eu até gostaria de pesquisar na Bíblia em quais passagens Jesus Cristo defendeu esses “valores” como base de sua igreja ou filosofia de vida. E não venham me dizer que é a Igreja Católica, a Igreja Evangélica, os Adventistas ou qualquer outra ramificação do Cristianismo estabeleceu em nome do Senhor Jesus Cristo que homossexual não é filho de Deus, que negro não tem lugar na Igreja, e que mulher deve ser submissa ao homem por uma questão de fé.

Sendo bem lógico e racional, se todas essas religiões derivam do Cristianismo, elas devem seguir DE FORMA OBRIGATÓRIA os reais ensinamentos básicos de Jesus Cristo. E, como um ser meio leigo nessa história, eu nunca li nenhuma passagem de Jesus que dizia que você vai para o reino dos céus se espancar um gay, ou se chamar um negro de bosta, ou se bater na mulher até cansar.

Se eu não me engano, o que ele disse foi “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. E, para mim, preconceito é falta de amor.

E… sim… eu acho uma baita hipocrisia qualquer cristão, que sabe muito bem que Jesus Cristo foi, de forma injusta, torturado e morto na Sexta-Feira Santa, apoiar alguém que defende a tortura como solução da violência e da criminalidade. Alguém que enaltece a pessoa do torturador Brilhante Ustra. Alguém que entende que não foi golpe militar em 1964, que não foi ditadura, e que aquele período só foi ruim para os esquerdistas. Só posso entender que essa parcela da população que faz pose de arminha que nem um idiota entende que Jesus Cristo era um vagabundo comunista que oferecia mamadeira de piroca no lugar de lições de amor e fraternidade.

Aliás, só para constar: Jesus Cristo é de esquerda, tá? E o nazismo liderado por Hitler é de direita. As duas afirmações estão nos livros de história. Só não vê quem não quer, ou quem é burro mesmo para entender.

Eu não lamento pelas decisões tomadas na censura da campanha do Banco do Brasil. O que eu realmente lamento é ver mais um caso flagrante de preconceito e discriminação vindo de um governo que deveria atuar por todos. Mais lamentável ainda é ver boa parte das pessoas apoiando essa estupidez. O que me consola é saber que ainda é possível extrair algo de bom de tudo isso.

Por exemplo, muitas pessoas que eu conheço finalmente entenderam o que realmente quer dizer a palavra DIVERSIDADE, e se deram conta que, sem ela, perdemos a nossa identidade. O Brasil só é o Brasil porque a mistura de etnias e culturas que a nossa história promoveu (pelos caminhos certos e errados) resultou em uma cultura singular. Resultou em uma nação que historicamente abraçou pessoas de todo o mundo, aprendendo com elas e oferecendo lições para que todos crescessem juntos.

A diversidade censurada pelo governo brasileiro é algo que está no DNA do nosso povo. Talvez o executor da censura não saiba disso, porque é filho de italianos. Mas deveria saber. Aliás, será que ele chegaria à presidência se o Brasil tivesse expulsado os pais e os avós dele que vieram para cá em busca de novas oportunidades? Afinal de contas, os italianos no Brasil eram considerados inimigos durante a Segunda Guerra Mundial. Logo, o governo da época tinha o “direito institucional” de expulsar os inimigos da nação.

Mesmo que esses italianos preferissem colocar a mão na massa para fazer macarronada caseira, e não em armas.

A diversidade e a fraternidade permitiram que os italianos ficassem por aqui. E, apesar de hoje ter um idiota descendente de italiano tomando decisões estúpidas que afetam a minha vida e a minha integridade como negro, eu hoje agradeço a diversidade do brasileiro por manter os italianos por aqui. Com eles, temos uma das melhores pizzas do mundo, uma macarronada deliciosa e algumas das ‘noninhas’ mais divertidas que eu conheci.

Fica a dica: sem diversidade, o brasileiro perde identidade.


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@oEduardoMoreira