“Do mundo não se leva nada… vamos sorrir e cantar…”
Em um certo dia de semana como outro qualquer, a Dona Bianca, avó do Tiago, pediu para mim e para o seu neto algo que era um tanto quanto inusitado para nós.
Nossa missão era ir até São José do Rio Preto (SP) para (olha só) buscar um jogo de panelas que ela poderia resgatar como “prêmio” por ter pago “rigorosamente em dia” todas as mensalidades do Baú da Felicidade.
Para nós, trabalho zero. O Tiago adorava andar de carro, e eu queria sair um pouco de Araçatuba (SP) para conhecer por algumas horas “a cidade grande”.
Aquela jornada foi bem tranquila, com exceção do calor urbano de uma cidade que derrete sorvete rapidamente e o tumulto na loja para retirar o produto.
A grande maioria composta por senhoras da idade da Dona Bianca, que estavam lá disputando um espaço para receber um prêmio do tal Baú da Felicidade.
O meu “eu racional” sempre pensava o seguinte:
“Essa galera pagou muito mais do que o valor que esse jogo de panelas vale, e ainda tem que passar por esse perrengue…”
Sem falar que a ideia do Baú da Felicidade não nasceu com o Silvio Santos. Foi pensada por Manuel de Nóbrega, pai do Carlos Alberto. Aquele da Praça, sabe?
Mas… o que isso realmente importa?
Quando voltamos para Araçatuba, Dona Bianca vibrava de felicidade. Porque recebeu o prêmio por ter pago em dia o carnê do Baú da Felicidade.
Sua alegria era genuína porque, de alguma forma, o compromisso foi cumprido: Silvio Santos retornou um pouco de felicidade para aquela senhora.
Ela estava genuinamente feliz. Porque alguém ofereceu a felicidade para ela.
Hoje, eu penso nessas pequenas pitadas de distopia que Silvio Santos oferecia para o povo brasileiro.
Não pode ser normal uma pessoa que perguntava para alguém se queria trocar um carro zero por um pato de borracha.
Uma roleta que poderia entregar R$ 10 mil ou resultar em um “perde tudo” com uma diferença de apenas uma casa (e as pessoas toparem brincar com a roleta) só pode vir de alguém que não estava no seu juízo perfeito.
Quem em sã consciência perguntaria “Quem Quer Dinheiro?” para atirar aviões com notas de Real para que qualquer pessoa tivesse a chance de pegar?
Era uma loucura até perigosa. Os mais chatos afirmariam que ele não poderia fazer isso, já que era “mau uso do papel moeda”.
Na pior das hipóteses, quem sofria mesmo era os contadores, já que, tecnicamente, ele doava dinheiro para as pessoas. E doação se transforma em dedução de imposto de renda.
E… vamos combinar que… colocar Pedro de Lara e Sérgio Mallandro no mesmo universo foi uma das maiores sandices que a TV brasileira já viu.
Sim. Silvio Santos não era normal.
Que bom que não era.
Só os insanos querem deixar sorrisos no rosto das pessoas. Ainda mais durante e após a ditadura militar. E aqui, não pense que isso foi “o ópio do povo”.
Era necessário.
Todo mundo precisa de um Domingo no Parque para ter saúde mental. De um Namoro na TV para, quem sabe, encontrar alguém que possa consertar o nosso coração partido.
Qualquer pessoa precisa, em algum momento na vida, ter uma Porta da Esperança aberta para realizar os seus sonhos ou progredir na vida.
E quem sabe um Show de Calouros revela em nós os talentos e habilidade quem nós não sabemos que existem em nossa essência.
Todos nós precisamos rir um pouco de nossas tragédias no domingo. Inclusive para aguentar uma nova semana cheia de problemas e desafios.
Todos nós recebemos Silvio Santos como um de nós.
Esse cara almoçou nas nossas casas por vários domingos ao longo de anos.
Não houve um comunicador que entrou na casa dos brasileiros de forma plena como Silvio Santos. Ao longo de décadas, ele era a visita de domingo em nossos lares.
Foi inclusive o motivo pelo qual algumas famílias se visitavam para a macarronada da avó no almoço.
Silvio Santos foi além de nos divertir. Ele conseguiu nos unir.
Logo, é normal se sentir triste diante de sua perda. É como um parente nosso que foi embora. É uma influência muito forte na vida dos brasileiros.
Sim. Será uma ausência sentida. Independentemente de qualquer coisa.
Não vou ser aquele que vai endeusar Silvio Santos após a sua partida, pois bem sei o que ele se transformou como pessoa nos últimos anos.
Mas… nesse momento, isso deixa de ser relevante. Porque… no final das contas, eu estou tão triste quanto a grande maioria dos brasileiros neste momento.
É parte da minha história como apaixonado pela televisão que vai embora.
É parte da história do povo brasileiro que agora entra para a eternidade.
É parte da minha história como pessoa que vai embora.
Silvio Santos agora é, de forma definitiva, um capítulo próprio do povo brasileiro. E por isso, deve ser sempre lembrado como “o maior de todos os tempos”.
Ele fez o povo brasileiro acreditar na felicidade em forma de baú.
Ele defendeu a alegria a qualquer hora.
Até o fim, foi genial: “não falem da minha morte, pois todos farão isso”.
Sim. A tristeza existe de alguma forma.
Mas…
“Vamos sorrir e cantar”, como Silvio Santos sempre quis.