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Três Anúncios Para Um Crime (2018) | Cinema em Review

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três anúncios para um crime

O quão duro pode ser para uma cidade inteira escancarar a verdade em três outdoors?

Três Anúncios Para Um Crime conta a história de uma mãe que perde a filha, vítima de um crime bárbaro de estupro seguido de assassinato, que busca por justiça a qualquer preço. Não ajuda em nada o fato dela viver em uma cidade onde a impunidade impera, com uma polícia corrupta, uma igreja indiferente e uma comunidade fortemente calcada na ausência de valores éticos e morais.

Temos aqui uma cruel e visceral exposição de uma triste realidade que pode acontecer em qualquer lugar. Infelizmente, podemos perder nossos filhos a qualquer momento, pelas mãos de inconsequentes doentes, que pelo prazer de matar e ter prazer, marcam vidas para sempre. Por outro lado, o filme expõe algumas das piores facetas do ser humano, o que deixa todo o processo de assimilação da história algo ainda mais difícil de se digerir.

Mildred não tem que enfrentar apenas uma polícia indiferente. Tem que enfrentar todo um corpo policial corrupto, que faz as suas próprias leis. O reflexo disso? Uma sociedade que se vale da impunidade para manifestar o seu racismo, o ódio às minorias e a misoginia escancarada. Ela tem que enfrentar tudo isso para clamar por justiça, e a forma mais pacífica que ela encontra é alugar os três outdoors, enfiando o dedo na cara da polícia, e escancarando a indiferença da justiça diante do crime com sua filha.

Tal movimento mostra o quanto aquela sociedade está doente e arraigada dos valores mais torpes. E isso inclui a Igreja Católica, que de forma hipócrita também apoia a indiferença da polícia. Até porque tem uma certa dose de culpa no cartório, já que fecha os olhos para os crimes de pedofilia que acontecem dentro da própria Igreja local.

Por outro lado, a decisão de Mildred (e todas as suas atitudes futuras, que são atos de alguém que quer fazer justiça com as próprias mãos) refletem o seu mais forte traço de humanidade: a culpa. Ela se sente culpada por ser dura demais com a filha adolescente no último diálogo de suas vidas, e entende que, se tivesse agido diferente, poderia ter evitado a tragédia. Logo, sua busca por justiça também é um ato desesperado para se perdoar da culpa que ela sente por sua participação direta na perda da filha.

Mas os cartazes não afetam apenas a moralidade de Mildred. Resulta em uma reforma íntima de boa parte dos envolvidos diretos na trama.

 

 

Mesmo com sede de justiça, Mildred deixa claro seus traços de humanidade, e não apenas por sofrer pela filha que perdeu, mas também pelo xerife que está padecendo de câncer, ou pelo policial racista que é gravemente ferido por ações dela (diretas e indiretas). De certa forma, ela consegue sensibilizar com seus atos aqueles que não estão dando a mínima para sua causa, pois estes também acabam sendo vítimas do monstro que eles mesmos criaram, uma vez que aquela sociedade doente mostra a sua pior faceta o tempo todo.

Três Anúncios Para Um Crime é um filme bem difícil de se assistir, mas é um filme espetacular. Uma história muito bem planificada e contada. É uma obra visceral, que não deixa espaço para você fugir das verdades abordadas e exploradas ao longo de 1h55 do longa. Vemos claramente como a misoginia, os crimes contra o menor, pedofilia, sexismo, racismo, impunidade, violência policial e outras mazelas ainda presentes na sociedade atual são escancarados para o espectador, sem meias verdades. Na sua cara.

E, se você não gostar do que vai ver… foda-se. O filme não se importa com você, mas sim com a história que quer contar.

É um longa que se vale pelos diálogos fortes e pelas atuações fortes. Sam Rockwell e Frances McDormand merecem os seus respectivos prêmios no Oscar 2018, pois entregam seus personagens de forma impecável, e com méritos específicos para cada um. Acabamos nos importando com suas respectivas causas, mesmo que ambos acabem tomando atitudes que ultrapassem as linhas da justiça.

 

 

Aliás, o grande mérito de Três Anúncios Para Um Crime é, mais uma vez, levantar a discussão sobre o ‘fazer justiça com as próprias mãos quando a justiça não se faz presente’. Não chegamos a um entendimento sobre esse tema, o que é ótimo, já que a discussão certamente vai continuar depois que os créditos do filme começarem a aparecer. Essa é a proposta. Essa é a ideia. Seguir a discussão e, principalmente, ampliar a consciência do espectador sobre os temas abordados.

Você termina o filme com a clara sensação que ainda existem núcleos de sociedade que são claramente doentes e distorcidas de valores éticos e morais que são justos para todos. Ainda vivemos em comunidades onde a mulher definitivamente precisa se impor como o elemento forte para não sucumbir diante da impunidade. Ainda vivemos em comunidades onde mulheres, negros, homossexuais e qualquer outro grupo considerado ‘diferente’ é tratado como raça inferior pelo dito ‘homem branco macho dominante’.

Mesmo assim, Três Anúncios Para Um Crime deixa também o recado que as minorias ou os diferentes podem se unir para fazer justiça. Que a voz de quem acredita na verdade pode ser ouvida, mesmo quando um distintivo tenta calar. Que precisamos repensar por muito tempo a relação entre ter o poder e fazer a justiça prevalecer. Não por ter esse poder nas mãos, mas porque é o melhor para todos.

É um filmaço. Se vencer o Oscar 2018 de Melhor Filme, será mais do que merecido.

 

 


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@oEduardoMoreira