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Um mistério chamado Leão XIV

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Desde as 18h08 (horário do Vaticano) do dia 8 de maio de 2025, a Igreja Católica tem um novo Papa.

A eleição do Cardeal Robert Francis Prevost como Papa Leão XIV, por si, já está na história por ser o conclave que recebeu uma atenção inédita da mídia e do público.

É correto dizer que isso aconteceu, em grande parte, por conta do estrondoso sucesso do filme “Conclave”, que ganhou visibilidade antes da morte de Francisco I, e voltou aos holofotes durante o período de processo de escolha de Leão XIV.

E isso é mais do que natural: agora que todo mundo sabe como a escolha de um Papa funciona, fica muito fácil transformar isso em uma espécie de “Super Bowl da Igreja Católica”.

Sem falar que a internet e as redes sociais de hoje impulsionam qualquer assunto para uma escala nunca antes dimensionada.

Mas agora que sabemos que Robert é Leão… fica a pergunta: qual é a dele?

 

Movimentos minimamente calculados

Os gestos iniciais do novo Papa foram carregados de simbolismo e análise, e como as imagens sempre falam mais do que mil palavras (e “a primeira impressão é a que fica” – nem sempre…), vamos tentar entender o que nós vimos para, de alguma forma, descobrir para onde a Igreja Católica vai.

E, antes de continuar…

Peço que não me massacrem por tudo o que vou escrever a partir de agora.

Tudo isso aqui é um exercício retórico, com base fundamentada no contexto histórico. Tem algumas fontes de informação e opiniões de pessoas que estudam muito mais a história da Igreja Católica do que eu.

Mas não são verdades absolutas, muito menos a análise profunda de quem tem um pleno domínio sobre o assunto.

Só entendi que poderia render um bom texto. E nada mais.

Dito isso…

Para começo de conversa, a escolha do nome “Leão” possui múltiplas ressonâncias históricas. E para os mais leigos, é preciso explicar o principal eco dessa escolha.

Todos estão falando de Leão XIII como a referência direta da escolha de Robert para o seu nome como Papa. E sobre isso, nem tem como ter uma interpretação alternativa.

Leão XIII foi o “pai” da Doutrina Social da Igreja, e também do Syllabus, a grande refutação dos “principais erros” do mundo moderno. Ele é a base da escolha pelo nome Leão XIV.

Porém, se temos um Leão XIV, significa que, além do Leão XIII, temos outros “Leões” que são, de alguma forma, referência para essa escolha de nomenclatura. Ou que pelo menos estão tentando encaixar no contexto histórico para forçar uma imagem de ambiguidade para Robert.

Por exemplo, Leão I. Ele pode indicar uma aproximação com a visão ideológica de Bento XVI que, no passado, afirmou que “foi sem dúvida um dos (papados) mais importantes da Igreja”.

Por outro lado, o nome também pode ser interpretado como uma referência à Frei Leão, um dos colaboradores mais próximos de São Francisco de Assis.

Perceba como a simples escolha do nome Leão pode deixar a cabeça das pessoas um pouco bagunçadas sobre “em qual banda ele vai tocar”.

Mas… e as vestes de Leão XIV?

Além de um nome mais histórico, Robert escolheu as vestes papais tradicionais, o que o distancia da postura de Francisco I e, ao mesmo tempo, o aproxima de Bento XVI.

Isso também pode indicar uma compreensão sobre a subordinação ao compromisso papal e continuidade com o passado.

Mas aqueles que estão mais preocupados a essa altura do texto podem se acalmar um pouco.

Muitos especialistas identificam em Leão XIV um homem gentil, aberto, humilde, modesto, determinado, trabalhador, direto, confiável e pé no chão.

Os mais otimistas afirmam que Robert foi “uma escolha brilhante” para o posto.

 

Um nome de consenso, pelos mais diversos motivos

A eleição de Leão XIV gerou, surpreendentemente, esperança e reações positivas em espectros distintos e até opostos dentro da Igreja, sendo elogiado ou visto com bons olhos tanto por figuras consideradas conservadoras como por figuras ligadas a alas mais progressistas.

E, pelo visto, entre seus pares, a impressão de consenso é a mesma.

Alguns jornais italianos chegaram a comentar que Prevost obteve muitos votos já na primeira votação do conclave. Jamais vamos saber sobre isso com exatidão, mas tal detalhe tende a ser verdade, a ponto de explicar o seu longo discurso inicial na varanda.

Robert teve um bom tempo para pensar sobre cada palavra dita, cada ênfase de cada frase, e cada gesto – verbal ou físico – que faria nesse primeiro discurso.

Não podemos nos esquecer que a escolha de Leão XIV não necessariamente seguiu a dinâmica e a política da Igreja Católica, já que existe – de forma indireta – a narrativa da crise financeira como um dos argumentos para a escolha de Robert.

E como todos nós pautamos todos os temas de nossas vidas pela divisão entre coxinhas e petralhas (desculpa, mas queria colocar essa piada no texto), ou melhor, entre esquerda e direita, nos esquecemos que a Igreja Católica e o Vaticano possuem vida própria.

“Conclave” (o filme) colocou em suas narrativas a perspectiva sociopolítica da Igreja Católica, e é evidente que ela existe entre os seus Cardeais. Porém, tal e como um país, o Vaticano e a Igreja como um todo precisam ser administrados com visão organizacional, olhando para as questões de reestruturação interna e reformulação objetiva de diretrizes.

Interpretar tudo sobre uma visão política pode resultar em leituras que são, em muitas vezes, um exercício de projeção que ignora as complexas dinâmicas e políticas internas e reais da Igreja Católica.

Por outro lado, não podemos deixar de mencionar o histórico de Prevost sobre alguns temas polêmicos, e isso dá um indício claro sobre qual é a sua visão de mundo para tais questões.

Ele criticou abertamente no Twitter a política de imigração de Donald Trump, pediu para que as mulheres participassem do conclave (o que deixou muitos indignados dentro da Igreja), e já declarou que a visão católica sobre o aborto está “desatualizada”…

Então… lidem com isso. E entendam como quiser.

 

“in Illo uno unum”

Prevost tem um perfil diplomático, e no sínodo anterior, teve um papel de conciliador. Sua principal missão como Papa será de seguir construindo pontes, tal e como Francisco I fez, sempre procurando curar e unificar uma Igreja Católica que, hoje, é vista como “fraturada e dividida”.

Tal visão sobre sua missão como líder máximo da Igreja fica evidente no seu lema papal: “in Illo uno unum”, ou “em um só, nós somos um”, uma referência clara à sua profunda espiritualidade agostiniana.

Prevost conseguiu a façanha de estabelecer um acordo entre os grupos mais reformistas e a ala mais conservadora da Igreja Católica, que estava prestes a declararem uma guerra interna.

Apesar da esperança que desperta em vários grupos, o facto de Leão XIV ser uma figura relativamente desconhecida introduz um fator de incerteza radical.

Ninguém sabe ao certo qual será a direção do seu pontificado, o que gera, simultaneamente, esperança e cautela.

 

Na verdade, ninguém sabe absolutamente nada neste exato momento.

Todo mundo é um bando de palpiteiros. Que nem eu, que acabou de escrever um texto enorme para não chegar a lugar nenhum.

E o que é mais incrível de tudo isso.

O único Papa que todo mundo sabia para onde iria entre os últimos quatro que foram eleitos nos últimos 50 anos (e aqui, vou respeitosamente ignorar o papado de João Paulo I, que só durou 33 dias) foi mesmo Bento XVI.

Angelo Giuseppe Roncalli (Joao XXIII) era relativamente conhecido quando se tornou Papa, mas ninguém sabia no que ia dar.

Karol Józef Wojtyła (João Paulo II) era um desconhecido, e ninguém sabia para onde ele iria levar a Igreja Católica.

Jorge Mario Bergoglio (Francisco I) foi tirado “do fim do mundo” (palavras dele, não minhas) para ser o Papa que promoveu a maior revolução da história da Igreja Católica.

Tentar descobrir o que Robert Francis Prevost (Leão XIV) vai fazer no seu papado é o mesmo que tentar descobrir qual será a próxima unidade do McDonald’s que ele vai para fazer um almoço.

Se é que ele prefere o McDonald’s ao Wendys.


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