Estou escrevendo este artigo sem ter assistido à segunda temporada de Round 6 (Netflix). Logo, minha opinião está completamente crua de influência. E não li nenhuma resenha sobre a temporada. Só sei que ela é boa o suficiente para ser indicada ao Globo de Ouro 2025 antes mesmo da estreia.
Que Round 6 é a série mais relevante da história da Netflix, não resta dúvidas: quase 3 bilhões de horas assistidas e 330 milhões de espectadores ao redor do planeta.
Mas nem esse sucesso todo fez com que essa produção se livrasse de polêmicas, que vão da ficha criminal de alguns membros do elenco até a própria produção da segunda temporada contra a vontade do seu criador.
E vou dar a minha opinião sobre tudo isso.
Real até demais
Round 6 é uma série que faz uma pesada crítica social, com uma trama que fala na desigualdade e exploração dos mais pobres por parte de 1% que concentra as riquezas.
Mas o que fez sucesso mesmo junto ao grande público foi o “Batatinha frita 1,2,3” e o jogo do biscoito.
Sua popularidade gerou, de forma até paradoxal, o surgimento de vídeos no YouTube e reality shows com temáticas semelhantes aos jogos exibidos na série.
E não foi só a Netflix que explorou isso dentro da plataforma ao criar “Round 6: O Desafio”.
MrBeast, o maior youtuber do mundo, abraçou o conceito sem dó nem piedade. Fez a sua versão do Round 6 em seu canal, e agora tem o reality series no Amazon Prime Video que, basicamente, emula o formato.
As duas iniciativas foram criticadas por fazerem exatamente o que a série criticou, confirmando inclusive que a discussão que Round 6 levanta é válida e totalmente baseada na nossa realidade.
O sucesso custou os meus dentes
Todo o sucesso de Round 6 (inclusive em cima do que a série critica) resultou em uma pressão enorme da Netflix para seguir ordenhando a vaca.
E o pressionado nesse caso foi o criador da série, Hwang Dong-hyuk, que revelou recentemente que quase não seguiu com a segunda temporada, e por motivos até justos.
Ele contou que o estresse extremo da produção da primeira temporada resultou na perda de dentes, algo que eu nunca vi na vida.
Hwang não queria seguir com a história, e só aceitou avançar com a segunda temporada pelo dinheiro. Uma forma de compensar o baixo pagamento que recebeu pela primeira temporada.
Diante de tudo isso, é normal que os fãs fiquem preocupados com a qualidade final que essa nova temporada vai entregar.
Afinal de contas, quem é que faz algo bem-feito na vida de má vontade?
Mas o que mais está surpreendendo é que, até o momento, a segunda temporada de Round 6 parece estar agradando o público e a crítica.
Para a surpresa de muitos, a nova temporada está recebendo 80% de aprovação no Rotten Tomatoes, com elogios por desenvolver novos arcos narrativos e camadas para os personagens.
Já grandes veículos como Rolling Stone e The New York Times se dividem entre elogios e críticas sobre o que viu.
Talvez a mídia esteja afetada pelos escândalos envolvendo o elenco de Round 6.
Os escândalos no elenco
Algumas das tretas do elenco de Round 6 passaram desapercebidas até pouco tempo atrás. Ou porque todo mundo ainda estava lidando com a pandemia, e não teve tanto tempo para correr atrás disso.
A seguir, algumas dessas polêmicas.
- Oh Yeong-su (Velho jogador número 001 da primeira temporada): Em 2023, foi condenado por má conduta sexual, resultado de uma acusação feita por uma atriz em 2022, com registros de aconselhamento datados de 2018. Ele negou as acusações, mas foi obrigado a assistir a 40 horas de aulas sobre violência sexual.
- Lee Jung-jae (O protagonista, jogador 456): Apesar do sucesso global após a primeira temporada, seu passado conturbado ressurgiu, incluindo detenções por dirigir embriagado e acusações de agressão no final dos anos 1990. Em 2013, o ator também foi criticado por comentários homofóbicos sobre um estilista falecido, que não era assumidamente gay, trazendo nova repercussão negativa.
- Marginalização da Comunidade LGBTQ+: A escolha de um ator cisgênero para interpretar uma personagem trans na nova temporada foi outro grande problema que o diretor da série teve que lidar, alegando que considerou escalar uma atriz trans, alegou a falta de opções viáveis na Coreia do Sul.
Começando pelo último tópico.
As dificuldades enfrentadas por atores abertamente LGBTQ+ na Coreia refletem uma sociedade ainda marginalizadora, abrindo o debate sobre inclusão e representação nas produções audiovisuais.
Acontece em praticamente todos os países do mundo. Porém, é pior em um país onde, mesmo com toda a abertura para a cultura ocidental, ainda é conservador em vários aspectos.
E sobre as demais polêmicas mencionadas.
A dualidade entre a crítica social apresentada na obra e as controvérsias fora das telas reflete a complexidade de transformar uma narrativa de denúncia em um fenômeno global.
Round 6 não escapa do enorme problema em lidar com o sucesso. Toda a pressão e moralidade que aparecem em função da maior visibilidade torna o processo criativo e de execução algo ainda mais desafiador.
E, com tudo isso, ao que tudo indica, Hwang Dong-hyuk entregou um ótimo trabalho.
É sobre resiliência
De um modo geral, a segunda temporada de Round 6 é elogiada por entregar uma narrativa profunda, mesmo com todo o descontentamento de Hwang Dong-hyuk.
O talento e a visão criativa continuam superando questões consideradas menores, guiando a qualidade da produção. E essa é uma lição a ser aprendida.
Não é porque você está puto com alguma coisa que você vai fazer o seu trabalho com má vontade.
Round 6, ao que tudo indica, manteve a sua essência, mesmo com todas as polêmicas e problemas de produção.
Muitas séries de filmes em Hollywood não conseguem entregar bons resultados com os mesmos problemas.
E não quero aqui passar pano para as polêmicas da série. Entendo que os casos mais graves precisam ser punidos, e que é moralmente questionável posturas e falas.
Em alguns casos, os envolvidos pagaram por seus crimes, e os responsáveis vieram se pronunciar sobre suas decisões. E nem todo o sucesso apaga o que foi feito nos aspectos individuais.
Mas… porém, de qualquer forma… Round 6 também é sobre resiliência.
É sobre prosperar diante do infortúnio. É sobre mostrar o seu melhor, mesmo quando tudo ao seu redor parece ser o pior.
A pessoa que eu mais torço para que tudo dê certo é justamente o criador da série, que não está envolvido nas polêmicas da produção. Ele só escreveu a história que estamos acompanhando.
E escreveu a história certa. No tempo certo.
E eu espero, de verdade que, dessa vez, Hwang Dong-hyuk não precise gastar o dinheiro a mais que vai receber por essa nova temporada em um novo tratamento dentário.