A casa da minha avó era um portal para outra dimensão. E não estou falando de uma dimensão repleta de alienígenas verdes e naves espaciais. Estou falando de um local que o tempo parou em 1995, diante de tamanha acumulação compulsiva.
Minha avó, carinhosamente apelidada de Vovó Zilda (para que você possa se localizar na narrativa deste artigo), era uma figura e tanto. Uma senhora de um metro e meio de altura, com a energia de um furacão e uma paixão inexplicável por, bem, coisas.
Muitas coisas.
E, aparentemente, pelo Wario.
Eu sei. É estranho. Minha avó era estranha. Por isso, ela era especial para mim.
Após o seu falecimento, coube a mim a tarefa hercúlea de organizar sua residência, um local onde cada canto guardava uma surpresa.
E o sótão era o epicentro desse universo peculiar, cheio de cartuchos de videogames.
Lotado com O MESMO CARTUCHO, COM O MESMO JOGO.
Um tesouro escondido que se repete
Subi as escadas rangentes, o som fazendo uma trilha sonora digna de filme de terror B. Sabe o “Ursinho Pooh: Sangue e Mel”? Neste estilo.
O ar estava impregnado com um cheiro indefinível, uma mistura de naftalina, poeira e algo que eu só posso descrever como “aroma de tempo”.
Caixas empilhadas formavam labirintos, como se a própria Vovó Zilda estivesse preparando um jogo de esconde-esconde póstumo para mim.
Em meio a esse caos organizado, avistei uma caixa com uma etiqueta escrita à mão: “Para meus netinhos”.
Meu coração deu um salto. Seriam fotos antigas? Joias de família? Uma pequena fortuna que iriam me tirar do buraco financeiro que estou neste momento?
Nada poderia me preparar para o que encontrei.
Ao abrir a caixa, fui recebido não por ouro ou diamantes, mas por uma visão monocromática de verde e roxo. Nada menos que 19 unidades do Game Boy Advance SP, todos meticulosamente embalados em plástico bolha, como se fossem artefatos sagrados.
Dezenove. Eu contei duas vezes, ainda incrédulo.
Será que a Vovó Zilda era uma contrabandista de consoles retrô? Ou seria dívida de jogo?
A surpresa não parou por aí.
Junto aos consoles, estavam 26 cópias do jogo de Wario Land 4 e 14 unidades do game Super Mario Ball. De forma quase inexplicável.
Minha mente, já sobrecarregada com tanta informação, tentava processar tudo de forma minimamente racional.
Seria um código secreto? Uma mensagem cifrada? Ou apenas a Vovó Zilda sendo a Vovó Zilda?
Acompanhando o kit, havia também um solitário Game Boy Color, olhando para mim como se dissesse: “Também estou confuso”.
Junto aos jogos e consoles, para a minha completa perplexidade e, devo admitir, um leve desespero, encontrei tutoriais impressos.
Vovó Zilda, a rainha da tecnologia analógica, havia se dado ao trabalho de imprimir guias de como jogar Wario Land 4 e Super Mario Ball. “Aperte A para pular”, dizia um deles, com uma seta desenhada à mão, como se eu, um jovem do século XXI, não soubesse o básico da operação de um videogame.
O sarcasmo da situação me atingiu em cheio.
Minha avó havia me deixado uma herança digna de um meme. Seria ela uma visionária do e-sport e eu um mero mortal que não compreendia sua genialidade?
Ou será que o amor de Wario por alho, tão intensamente enfatizado na embalagem do jogo, tinha alguma conexão secreta com o plano cósmico?
Por que tantas cópias do mesmo jogo, vovó?
As teorias na minha cabeça competiam com as baratas que, ocasionalmente, faziam uma aparição no sótão, adicionando um toque ainda mais surreal à cena.
Será que ela comprava um Game Boy novo toda vez que a bateria acabava? Ou será que ela acreditava que, para salvar o jogo, era preciso um cartucho novo?
Talvez ela tenha clicado em “comprar” várias vezes sem querer, tomada por um frenesi consumista digital que nem ela mesma entendia.
A ideia dela encomendando 19 Game Boys por engano e pensando “Ah, que se dane, vou ficar com eles” era, de alguma forma, hilária e assustadoramente plausível.
Afinal de contas, estamos falando da mulher que, em uma determinada ocasião, guardou todo o macarrão instantâneo do mercado porque estava em promoção.
Em meio a risadas nervosas e um crescente sentimento de afeto, percebi que a herança da Vovó Zilda era muito mais do que uma coleção bizarra. Era uma cápsula do tempo, um retrato de sua personalidade única e, acima de tudo, uma prova de seu amor peculiar, porém inegável.
Ela queria que compartilhássemos sua paixão, mesmo que essa paixão envolvesse um número absurdo de Game Boys e um encanador italiano obcecado por alho.
E eu, seu neto, me via agora como o guardião desse legado, o Indiana Jones do sótão, pronto para desvendar os mistérios de Wario Land 4, armado com 19 consoles e um sorriso no rosto.
Quem precisa de ouro quando se tem uma avó como a Vovó Zilda e, mais importante que tudo isso, uma história dessas para contar?
Sinto falta da Vovó Zilda, e de sua forma totalmente diferente de ver o mundo.
Foi bom aprender algo a mais sobre a vida olhando para a forma em como ela encarava o mundo.
Vou guardar todos esses jogos com muito carinho e respeito.