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Eu, Tonya (2017) | Cinema em Review

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A biografia sobre a patinadora artística Tonya Harding, levantando algumas questões sobre a culpabilidade e o indivíduo diante da sociedade, culminando com o complexo caso que acabaria de forma prematura com sua carreira. É disso que ‘Eu, Tonya’ se trata.

O roteiro de Steven Rogers não inventa desculpas para os temas que trata, mas faz com que o filme gire em torno dessas polêmicas. O que torna a narrativa adequada para mostrar que as verdades absolutas simplesmente não existem. Há um reconhecer uma desconexão entre realidade e ficção, mas o filme se alimenta dela com um tom bem humorado que não busca maquiar o drama real do personagem, mas sem degradar o aspecto risível da situação.

‘Eu, Tonya’ é protagonizado por pessoas que não tiveram muitas chances da vida, e explora o contexto satírico dessa situação, com simbolismos pontuais. A pista de patinação é um microcosmos da sociedade, um campo de testes que estuda os privilégios e como eles se aplicam a todos os âmbitos da vida, especialmente na arte. Todas as dificuldades na vida de Harding não são vistas com paternalismo ou lástima, mas sim como ânimo quase sociológico.

 

 

O filme não entra no julgamento do positivo ou negativo. Apenas observa o que acontece. Erros, acertos e esforços de qualquer ser humano, em um ambiente opressivo, onde tudo o que vemos se mostra irônico, mesmo com um fundo trágico.

Para isso, recursos como a quebra da quarta parede são utilizados de forma efusiva em vários momentos dramáticos e hilariantes, onde cada protagonista usa o recurso à sua maneira.

Margot Robbie, indicada ao Oscar 2018 por sua interpretação de Harding, mostra uma mulher áspera e rude, sem muita maquiagem, mostrando que apenas a sua capacidade de atuar transforma em glamour o que é bizarro. Ela tira o lado mais punk da atleta, ao mesmo tempo em que a transforma em uma criança crescida, que consegue comover com sua postura ingênua dentro do entorno envenenado que oprime sua existência.

Se Robbie brilha, a personagem de sua mãe, interpretada por Allison Janney merce um spin-off. Essa mulher é monstruosa interpertando, com um timing de comedia dos mais agridoces que o comportamento humano pode mostrar. Ela e Robbie conseguem trafegar bem nos diversos temas perturbadores que o filme apresenta, e sabem quando começar e terminar a piada, ao mesmo tempo que oferece uma abordagem que beira ao de um reality show.

 

 

A terceira pessoa é tão bem usada no filme, que é possível experimentar sem problemas os dois lados do drama, tanto o sucesso em si como a complexidade emocional diante de uma escolha que vai muito além do âmbito pessoal. De fato, nunca vamos julgar ou compadecer a partir da posição de privilégio. Apenas observamos um problema doméstico no contexto da sociedade que nunca faz o que pode, mas sim estigmatiza o problema a ponto de agravá-lo.

O filme é menos interessado na dimensão psicológica dos seus personagens, e mais focado na associação com os fatores que facilmente induzem a entender que tudo não vai terminar bem, mesmo que você não conheça os fatos reais. Os prejuízos e o elitismo dos juízes de patinação artística e a hipocrisia sobre a imagem projetada nos EUA são mais que suficientes para mostrar a gravidade dos fatos.

O condicionamento de muitos pais em relação aos seus filhos esportistas, um sistema educacional muito focado na competitividade e não em proteger aqueles que não tem as mesmas oportunidades, facilitando os destinos ao lado de ‘más companhias’, como o marido de Harding e seu círculo. Todos esses temas são picotados para mostrar as misérias da personagem principal, realizando um comentário social que transcende o cenário geral do filme.

 

 

Além de tudo isso, ‘Eu, Tonya’ é um filme divertido. Seu afiado cinismo garante uma cumplicidade com o espectador, pois é um filme suficientemente honesto e plenamente consciente de suas limitações. Há comedia e tragédia, textura documental diante do drama, uma dualidade que permite focar novamente a história de Tonya Harding, em um harmonioso plano final que é capaz de fazer a protagonista se reerguer e recomeçar do zero.

Filme altamente recomendado.

 

 


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@oEduardoMoreira