Eu não começo uma coleção porque tenho medo de não terminar. A única coleção que eu tenho é de carros de Fórmula 1 e, ainda assim, ela está incompleta porque eu não tenho como investir nela neste momento.
Mas quando paro para pensar na minha vida de produtor de conteúdo de tecnologia, me dou conta que faço parte da turma dos colecionistas de embalagens dos produtos que comprei ou testei. Confesso que sinto pena de jogar as embalagens fora, pois já vi algumas pessoas que dão muita importância quando desejam comprar um produto de segunda mão.
Sério… tem gente que faz questão de ter a caixa do produto quando compra um dispositivo de tecnologia de segunda mão. E descobrir que não sou o único dá até um certo alívio.
Mais uma tendência construída pela Apple
Há uma tendência no universo dos produtos da Apple que transcende sua utilidade e avança para o território do colecionismo. Se você é um usuário de dispositivos com o logo da maçã mordida, é provável que esteja familiarizado com a prática de guardar as caixas dos produtos da marca.
Contudo, essa prática vai além do mero armazenamento – ela se transformou em um fenômeno cultural que reflete uma conexão profunda entre os usuários e a empresa de Cupertino.
A dimensão desse fenômeno é evidenciada por comunidades virtuais que floresceram em torno dessa peculiar forma de colecionismo. No subreddit /r/Appleboxes, uma comunidade de mais de 5.000 membros se reúne para compartilhar imagens das caixas que acumularam ao longo do tempo.
Essas imagens não são simplesmente registros banais, mas sim obras de arte que capturam a essência da marca Apple e suas embalagens elaboradas. E antes que você pense que tudo isso é uma grande bobagem, saiba que produtos “na caixa” são mais valorizados na revenda, e que foi a gigante de Cupertino quem construiu essa cultura de valorizar a embalagem dos produtos.
Logo, esse colecionismo peculiar também é parte muito importante do mundo da tecnologia. A maioria das pessoas pode não ter se dado conta disso, mas boa parte dos usuários mais geeks sabe valorizar muito bem esse importante elemento de um produto.
Hoje, não é só com a Apple que isso acontece
Essa prática de colecionar caixas não é exclusiva da Apple. Fabricantes de outras marcas também investem esforços significativos no design e na apresentação de suas embalagens.
A caixa de um produto tornou-se mais do que uma mera proteção; ela é uma extensão do produto em si. Há anos, a OnePlus demonstrou isso com a notável embalagem do OnePlus One, pavimentando o caminho para um novo paradigma na relação entre produto e embalagem.
A ASUS é outra marca que entendeu o conceito de uma embalagem integrada ao produto, refletindo sua essência e características principais logo de cara. Esse primeiro contato do usuário é muito importante, pois ajuda a estabelecer a relação do cliente com aquele produto antes mesmo do dispositivo sair da caixa.
As razões para preservar essas caixas vão além do colecionismo ou da valorização do produto em caso de revenda. Essa prática também tranquiliza os usuários em relação a devoluções e reparos. Embora não seja obrigatório manter a embalagem, muitos enxergam nela uma salvaguarda para seus investimentos tecnológicos.
Isso… e uma espécie de “garantia contra o estresse”, pois algumas marcas exigem o envio do produto na embalagem original para a manutenção em caso de problemas. Uma burocracia que considero desnecessária, mas que é praticada por “políticas internas”.
Vai entender.
Estão lucrando com o unboxing
Uma nuance interessante nesse cenário é a ascensão do “unboxing”, ou do processo de desempacotamento de um produto como um fenômeno lucrativo.
Influenciadores digitais e criadores de conteúdo, como é o caso do famoso canal ‘Unbox Therapy‘, transformaram a experiência de abrir uma caixa de um produto de tecnologia (e, em um sentido mais amplo, de outros tipos de produtos) em um entretenimento envolvente para as massas. O impacto dessa tendência é evidenciado por plataformas como o YouTube, onde milhões de espectadores acompanham avidamente cada movimento do unboxing.
Aliás, alguns vídeos de unboxing do TargetHD.net contam com um número de visualizações muito maior do que os conteúdos de análise ou review do mesmo produto, comprovando que essa prática de mostrar o que vem na caixa de um produto é algo muito mais interessante para muitos usuários.
Entretanto, o mundo das embalagens de produtos também tem um lado obscuro. Além de colecionadores legítimos, há aqueles que buscam lucrar com a venda de caixas vazias.
Plataformas como Wallapop e eBay testemunharam uma demanda maior por essas embalagens. Uma prática que também abriu espaço para fraudes, onde golpistas vendem caixas vazias como produtos completos.
É importante notar que nem todos compartilham o entusiasmo pela preservação de caixas de produtos. Muitos preferem descartá-las devido ao espaço que ocupam e ao inevitável acúmulo de poeira. E para aqueles clientes que vão importar produtos do Paraguai e farão o deslocamento para o Brasil via transporte terrestre, guardar as caixas é algo muito mais complicado, principalmente para quem quer driblar a Receita Federal com os itens de uso pessoal, como smartphones, notebooks e câmeras fotográficas.
Sem falar que o valor atribuído a uma simples caixa de papelão pode variar em função das motivações, emoções e práticas econômicas variadas. E eu não sei se a relação custo-benefício fecha para todo mundo, dependendo da perspectiva individual.
De qualquer forma, colecionar caixas de produtos de tecnologia se tornou uma cultura de massa entre os usuários, e isso é algo que merece ser observado de perto. Não deixa de ser um movimento de massa minimamente interessante: um grupo de usuários está dando valor para algo que, para muitos, não significa nada.
Mas… o que é importante para você pode não ser importante para mim e vice-versa. E está tudo certo.
A parte mais interessante de tudo isso é ver uma cultura de colecionismo nascendo diante dos nossos olhos. Para vários outros produtos colecionáveis, eu entendo perfeitamente o que acontece.
Mas no caso das embalagens de produtos de tecnologia, vale a pena o estudo mais aprofundado sobre a questão.