Vivemos em um momento em que ainda estamos tentando entender o que tecnologias como deepfake e inteligência artificial podem fazer de positivo por nós. E alguns reflexos disso estão aparecendo de forma inesperada, com algumas consequências que podem afetar o nosso mundo de forma muito relevante e decisiva.
Muitos não sabem disso, mas o ator Bruce Willis oficialmente se aposentou do cinema. O motivo para a sua decisão são os seus problemas de saúde, mais especificamente a sua afasia. Mas isso não o impediu de encontrar uma solução tecnológica para continuar na história de Hollywood e, consequentemente, em nossas vidas.
Bruce Willis se tornou o primeiro ator a vender os direitos de sua imagem para ser recriado em filmes e outros projetos através do uso da Inteligência Artificial. E isso fatalmente vai resultar em uma reflexão sobre o papel do ser humano no cinema no futuro.
Será que a profissão do ator está ameaçada a partir de agora? Será que podemos contar que todos os melhores atores e atrizes da história serão digitalmente recriados?
Ou Bruce Willis só jogou uma bomba que deve ser administrada pelos demais envolvidos?
Ele já tem experiência nisso
Bruce Willis certamente sabe o que está fazendo e, principalmente, já está capitalizando em cima dessa iniciativa. Em 2021, sua imagem já participou de um comercial através da tecnologia de deepfake graças a um acordo com todos os envolvidos. E ele gostou da experiência:
Gostei da precisão do meu personagem. É um mini-filme no meu gênero usual de comédia de ação. Para mim, é uma ótima oportunidade de voltar no tempo. Com o advento da tecnologia moderna, mesmo estando em outro continente, pude me comunicar, trabalhar e participar das filmagens. É uma experiência muito nova e interessante, e agradeço a toda a nossa equipe.
O ator fechou um acordo com a empresa Deepcake (trocadalho do carilho aqui), e permite que a empresa de tecnologia crie “gêmeos digitais” de sua imagem para uso em diferentes tipos de projetos audiovisuais.
Para recriar Bruce Willis em formato digital, a Deepcake utilizou milhares de fragmentos da imagem do ator em filmes como “Duro de Matar” ou “O Quinto Elemento”. A Inteligência Artificial foi treinada por 14 dias, mas essa tecnologia pode recriar qualquer pessoa em até cinco dias.
A empresa está conversando com diferentes estúdios em Hollywood para formalizar outras parcerias que explorem essa possibilidade, e seus responsáveis já conversam com os herdeiros de astros de Hollywood já falecidos para que outros acordos dessa natureza aconteçam.
A tecnologia da Deepcake ainda precisa ser melhorada para que o olho humano não perceba que está diante de uma recriação digital. Porém, a porta para que os astros do passado retornem para o presente através da tecnologia está oficialmente aberta.
E precisamos conversar mais sobre isso.
O primeiro ator a fazer isso. E não deve ser o único
Bruce Willis executou um movimento pioneiro em Hollywood, abrindo as portas para o que pode ser uma revolução dentro da área da atuação. A própria Deepcake está tentando impulsionar essa iniciativa: como eu disse um pouco antes neste artigo, a empresa já conversa com os herdeiros da imagem de outras lendas do cinema que podem eventualmente aderir à mesma decisão.
Nomes como Charlie Chaplin e Kevin Hart podem ser os próximos a terem os seus direitos cedidos para a criação de deepfakes para se tornarem eternos dentro de Hollywood, e essa ideia de recriação digital ou do uso da tecnologia para manter atores e atrizes na ativa pode até parecer absurda e desrespeitosa para alguns fãs incondicionais da sétima arte, mas já está em uso nos mais diferentes formatos, e a gente nem percebe.
Um exemplo disso foram as recentes recriações digitais e processos de rejuvenescimento de personagens que nós vimos nos filmes e séries da franquia Star Wars nos últimos anos. Isso só foi possível com a tecnologia que hoje permite o contrato de Bruce Willis com a Deepcake.
Outro exemplo recente foi a decisão de reconstrução por uma IA da voz de James Earl Jones, ator que anunciou a sua aposentadoria aos 91 anos, mas que será eternizado como aquele que deu voz ao Darth Vader, também em Star Wars.
O que acontece com Willis é muito similar ao que ocorreu com Earl Jones. Ou seja, no contexto de manter o legado daquele ator ou atriz, a tecnologia pode ser útil também para respaldar aposentadorias, o que é ótimo para eles, já que não precisam seguir trabalhando até os últimos dias de sua vida.
Por outro lado, Hollywood também ganha com isso, pois conseguem utilizar o talento e o carisma desses atores no futuro. Aliás, a Inteligência Artificial tem um enorme desafio pela frente, e não envolve necessariamente a recriação da imagem de alguém, mas justamente a necessidade de aprender como esses atores atraiam a atenção do público pelas suas habilidades naturais, algo que é muito difícil para um software de computador reproduzir de forma plena ou perfeita.
A grandes franquias não querem ficar sem Bruce Willis
Um dos pontos importantes nessa equação ainda está na perspectiva dos estúdios e realizadores. E eles simplesmente não querem ficar sem os talentos em seus filmes.
De novo: recriar atores com a ajuda da tecnologia não é algo novo. Quando o ator Brandon Lee morreu durante aas filmagens de “O Corvo”, as suas cenas foram digitalizadas com a ajuda do CGI. O mesmo aconteceu com Paul Walker em um dos filmes da franquia “Velozes e Furiosos” (neste caso, uma das soluções foi utilizar o irmão do ator em algumas das cenas inacabadas, combinando a sua imagem com a IA que reproduziu a imagem do ator falecido).
O mesmo já aconteceu em menor escala com atores que ainda estão plenos no campo da atuação. Nomes como Arnold Schwarzenegger e Jim Carrey foram recriados digitalmente para diferentes finalidades dentro de franquias cinematográficas.
Ou seja, tudo o que estamos vendo hoje nada mais é do que um enorme esforço da indústria do cinema em manter os seus principais astros em suas histórias. O que realmente acontece de diferente aqui é que Bruce Willis vendeu os seus direitos de imagem, enquanto que em todas as outras experiências anteriores o ator envolvido na recriação sequer era consultado sobre o assunto em diversas oportunidades.
Não acho que teremos uma substituição efetiva dos atores de carne e osso pela inteligência artificial. Ainda tenho sérias dúvidas se um software consegue substituir o carisma e o talento do ser humano, que são elementos quase irreprodutíveis quando existem naturalmente no indivíduo.
Porém, a decisão de Willis abre as portas para que isso aconteça com algum tipo de respaldo legal e com benefícios financeiros para o ator ou os seus herdeiros. De alguma forma, as regras do jogo mudaram, e todos os envolvidos vão, no mínimo, parar para pensar sobre tudo isso.
Mas pelo menos agora dá para imaginar um filme onde Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Catherine Zeta-Jones e Scarlett Johansson podem atuar lado a lado, e todas as protagonistas (ou pessoas relacionadas à elas) podem obter os lucros de suas respectivas atuações.