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A Espanha é racista? A ciência pode responder, desde que sejam feitas as perguntas certas

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Lá vamos nós de novo falar do tema espinhoso que fará com que esse conteúdo seja menos disseminado na internet. Porque as pessoas se ofendem com esse tipo de pauta.

Sim. É um cara preto que escreve os artigos desse blog. Eu digo, de forma orgulhosa, que sou produtor de conteúdo na internet há 15 anos. E sou bom no que faço, porque não conheço muitos jornalistas pretos que estão na minha posição.

Diante disso, poucas pessoas podem falar com propriedade sobre o flagrante crime de racismo que Vinícius Júnior sofreu na Espanha em 21 de maio de 2023.

Mas como esse é um site de tecnologia, quero dar um olhar mais científico para o racismo na Espanha, e estender essa visão embasada para outros países do mundo.

Incluindo, é claro, o Brasil.

 

“Não se pode dizer a verdade da Espanha sem ofender os espanhóis”

Essa frase não é minha. É de Fray Servando Teresa de Mier, em suas memórias. E a mesma regra vale para cada nação do planeta onde o racismo se tornou algo historicamente endêmico.

Mas vamos estudar primeiro a Espanha para depois estender essa análise para outros países. E não pense você que não existe o racismo no Brasil. O estado de Santa Catarina é apenas uma prova que o seu pensamento é equivocado. O racismo só se manifesta de formas bem diferentes, dependendo do lugar que você está.

A opinião de Fray Servando tem mais de 200 anos, o que confirma o contexto histórico dos problemas sociais, morais e éticos da Espanha. Porém, um dos argumentos mais utilizados pelos algozes de Vinícius Júnior (que tentam se vitimizar e, ao mesmo tempo, transformar o jogador brasileiro em culpado pelas reações preconceituosas do coletivo) é o hipócrita “a Espanha não é racista”.

Tá… se o comportamento do coletivo em si não é suficiente para confirmar ou não o racismo de um povo, algumas perguntas pertinentes precisam ser feitas.

Como saber se alguém ou se um grupo de pessoas é racista?

É possível medir o racismo?

É possível objetivar o racismo?

O racismo foi objetivamente medido na Espanha?

Psicólogos sociais dedicaram boa parte do tempo de suas respectivas vidas e carreiras tentando responder as questões mencionadas acima.

E, felizmente, temos algumas respostas.

 

Está cada vez mais difícil medir o racismo, e isso é algo muito perigoso

O professor da Universidade de Toronto Ulrich Schimmack explica algo que é perceptível para a maioria das pessoas: com o passar do tempo, está cada vez mais difícil perguntar para qualquer pessoa se ela é racista ou se tem preconceitos contra pessoas pretas.

E isso acontece pelo motivo mais óbvio de todos: no mundo em que vivemos hoje, admitir abertamente que é racista é crime inafiançável em boa parte dos países e, felizmente, uma parcela significativa do coletivo não tolera mais as manifestações preconceituosas contra pessoas pretas e outros grupos.

Na prática, apenas pessoas com o código moral e ético absolutamente distorcido e desprovidas de qualquer tipo de pudor ou verniz social se expressam abertamente dessa forma:

“eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu”.

E isso, porque a pergunta era: “Como você reagiria se um dos seus filhos se apaixonasse por uma mulher negra?”.

E você sabe muito bem de quem eu estou falando. É só dar um Google, e você descobre.

Hoje boa parte dos racistas, que são covardes por natureza, não estão dispostos a falar abertamente sobre isso. Logo, é preciso buscar formas indiretas para seguir monitorando e estudando esse fenômeno social que, na mais triste e cruel realidade, é um autêntico câncer da humanidade.

 

É possível medir coisas implícitas?

É óbvio que não dá para medir o racismo, pois ele é um pensamento ou visão de mundo. Quantificar a ideia de alguém é relativizar um problema que é muito mais sério do que parece. Dá sim para medir os níveis de racismo a partir de suas diferentes categorias, mas identificar o quão preconceituoso é um indivíduo ou um coletivo é algo muito complexo.

Porém, especialistas no assunto buscam formas muito criativas para identificar o racismo implícito. Um dos testes mais utilizados é justamente o das associações implícitas, que medem os tempos de reação das pessoas quando expostas a diferentes tipos de estímulos.

É uma espécie de ‘efeito Stroop’ racial, onde levamos menos tempo para dizer o nome da cor das palavras em uma lista sequencial do que a cor que essa palavra indica quando escrita.

Por que isso acontece?

Afinal de contas, são as mesmas palavras e com as mesmas cores. Mas em uma ordem diferente, nomear a cor que está pintada leva mais tempo e gera mais erros do que quando cor e palavra coincidem. E isso é algo que não podemos evitar, na grande maioria dos casos.

Se a pessoa conhece o idioma que a palavra está escrita, o ‘efeito Stroop’ aparece de forma automática. Há quem diga que o Serviço Secreto dos EUA utilizava esse método durante a Guerra Fria para descobrir se um indivíduo era russo.

Então… dá para utilizar esse método para descobrir também se existe o racismo implícito em alguém?

 

A resposta (com algumas aspas) é SIM

Nas últimas décadas, os estudos se destacaram para medir o impacto dos traços racistas no comportamento, na tomada de decisões e nas atitudes de uma pessoa ou do coletivo.

O principal traço que aponta para o racismo implícito se tornou manifesto na sociedade a partir de um ambiente político muito polarizado, onde as mentes mais irracionais normalmente confundem ‘atitudes claramente racistas’ com ‘atitudes ideológicas’ que, para aquelas pessoas, não é fruto direto do racismo.

Para essas pessoas, o racismo é algo escancarado e despudorado, e não algo estrutural ou institucionalizado pela cultura de coletivo. Para os idiotas racistas, chamar alguém de ‘macaco’ é algo correto, pois os pretos sempre foram chamados de macacos, e nada aconteceu até agora.

“Por que só agora é crime chamar preto de macaco?”, perguntam os acéfalos.

Então… mentes ignorantes ignoram (sem trocadilhos) a evolução humana nos seus códigos morais e éticos.

Em um nível de análise puramente psicométrico, um imbecil racista acredita que não existe diferença entre ‘medidas de discriminação positiva’ por racismo, misoginia, homofobia, xenofobia ou androfobia de uma posição política que promove a abolição do estado.

Para essa raça desgraçada, ser racista é um posicionamento conservador, de direita e, em casos mais flagrantes, de extrema direita. Para a massa acéfala, defender pretos, gays, povos originários e mulheres é coisa de “comunista, socialista ou de esquerda”.

São as medições do racismo implícito que permitem estabelecer as diferenças entre os dois grupos de forma muito clara, inclusive quando o grupo racista não consegue enxergar isso de forma flagrante e declarada, como foi no caso ocorrido com Vinícius Júnior.

 

Como a Espanha é (ou se tornou) racista?

Uma vez que dá para medir o racismo coletivo (e, no caso de Vinícius Júnior, é de entendimento comum que isso efetivamente aconteceu), a pergunta aqui é a mais óbvia do mundo: dá para saber o quão racista é a Espanha?

Essa é uma resposta difícil de se estimar.

Existem estudos de segregação racial nos Estados Unidos e sua associação direta nas diferentes opiniões políticas ou ideológicas, algo que não foi feito de forma efetiva na Espanha.

Os poucos estudos feitos no país nesse sentido entregam resultados finais com alguns dados que são “cômodos” para o povo branco europeu, facilitando discursos que minimizam o problema, em um sentimento de aceitação e tolerância ao racismo e com ausência de consequências práticas mais graves. E tudo isso torna o racismo implícito algo invisível…

…até que a torcida do Valência, os diretores do clube espanhol e até o presidente de LaLiga deixam esse sentimento explícito, na vitimização e relativização do ato racista.

Faltou para a Espanha fazer as perguntas incômodas e indesejadas para se reconhecer racista, e mecanismos para isso não faltam. O problema é que a sociedade espanhola entendeu que não era necessário ou oportuno discutir essa questão a sério.

Diante dos últimos acontecimentos, incluindo os nada menos que DEZ INCIDENTES RACISTAS envolvendo Vinícius Júnior, o status do coletivo espanhol está bem claro para todo mundo, apesar desse mesmo coletivo demonstrar um enorme esforço em manter esse preconceito apenas implícito.

Infelizmente, devo dizer que a sociedade espanhola é sim racista.

E quem não se sente assim, culpe a si mesmo por entrar no bolo dos irracionais, pois o silêncio, a conivência e a falta de vontade pública para descobrir a verdade sobre o problema tem como consequência boa parte do mundo civilizado entendendo exatamente o mesmo que eu e todos que levantaram nas redes sociais as hashtags #LaLigaRacista e #EspanhaRacista.

Mesmo porque não houve qualquer tipo de reação do coletivo espanhol quando um boneco negro com a camisa do Vinícius Júnior foi pendurado em modo de enforcamento em uma ponte na cidade de Madri.

Tudo o que acontece nesse momento na Espanha é um sintoma claro de uma sociedade doente e moralmente falida. Sintomas que vão um passo além do que disse Servando Teresa de Mier há dois séculos.

Mesmo porque… sem a verdade, não tem forma de se sentir ofendido..

 

…não é mesmo, Brasil (e, em especial, Santa Catarina)?

Sim. O Brasil é um país racista e hipócrita. E faz isso quando mais da metade da população brasileira é negra ou de descendência de povos pretos.

Insisto que tudo o que o negro deseja no Brasil é empatia e respeito. Porque… no dia que o povo preto brasileiro se organizar e começar a pensar efetivamente na vingança, o povo branco que se acha europeu está (e peço desculpas pelo uso da expressão) mais do que fodido.

Eu fui vítima de racismo por onde passei. Mas nunca testemunhei algo tão cruel e escancarado como aqui em Santa Catarina. E quando olhamos de forma específica para esse estado, precisamos olhar mais uma vez para o contexto histórico migratório para entender porque boa parte do coletivo entende que eu não devia existir.

Para começo de conversa, os povos originários de Santa Catarina não são os açorianos. São os índios. Logo, os manezinos que batem no peito dizendo “essa terra e nossa” estão defecando pela boca, pois eles são filhos de imigrantes, como a grande maioria dos brasileiros.

Depois, o povo preto foi arrastado para cá e escravizado anos antes dos primeiros imigrantes alemães e italianos chegarem ao Sul do Brasil, o que faz dessa terra mais nossa do que deles. É fundamental enfatizar que Florianópolis foi parcialmente construída por mãos negras: a ponte Hercílio Luz, as mais importantes igrejas, o Palácio Cruz e Souza e várias edificações relevantes da cidade contam com o esforço do povo preto.

Por fim, a última leva de alemães e italianos que veio para o Brasil, fugindo de uma Europa destruída e falida após a Primeira Guerra Mundial, é resultante de um projeto de embranquecimento do sul do país e, de forma irônica, de algo que uma galera com espectro político conservador simplesmente odeia: ação social.

O problema não está na primeira leva dos imigrantes, e sim na última, que veio com o fascismo, o nazismo e o racismo em seu DNA moral e ético. E não estou falando isso a partir do achismo ou da aleatoriedade de ideias: é só procurar os registros históricos e, principalmente, a origem do primeiro partido nazista brasileiro, que nasceu entre as décadas de 1920 e 1930.

Sem falar no contexto histórico da nojenta Revolução Farroupilha, que o povo gaúcho tanto se orgulha. Uma guerra onde os donos de terras, revoltados com o fim da escravidão no Brasil, colocaram os negros na linha de frente para morrer em defesa do “legítimo direito em permanecerem escravos”. Só para não dizer que não dei um alô para o Rio Grande do Sul sobre o tema deste artigo.

Ah, sim… ia me esquecendo… pesquise pela origem do lema “Deus, Pátria e Família”, e você ficará chocado. Ou vai se sentir um burro, dependendo de sua irracional visão ideológica.

Ou vai se identificar de vez com essa palhaçada.

Para terminar, o racismo no Brasil não é tão escancarado como em Santa Catarina, que utiliza as mesmas mecânicas de verniz social hipócrita que os espanhóis adotam para se vitimizar e criminalizar Vinícius Júnior.E, a essa altura do campeonato, esse é o verdadeiro problema que precisa ser discutido e combatido com práticas antirracistas.

Não resta dúvidas que Vini Jr. sofreu um violento ato racista por parte de um coletivo preconceituoso. E o que começa a entrar em discussão nesse momento é como um povo racista relativiza tudo isso, achando que está no seu “legítimo direito” de chamar o jogador brasileiro de macaco… porque ele é preto!

E voltando para o Brasil… voltando para Santa Catarina…

Para boa parte do povo catarinense, ser racista é um direito, pois eles sempre entenderam que negro é um ser inferior.

E quando alguém aponta esse preconceito, o coletivo se defende com o “Santa Catarina não é racista”, usando o “por outro lado”, o “mas, também né…” e até mesmo o “eu tenho o direito de ser preconceituoso”.

Igualzinho a Espanha.

A única diferença é que o catarinense está bem longe de ser europeu.

Se você não sabe pedir chucrute na Alemanha e já colocou uma feijoada na boca, você é brasileiro. E lá fora, você é latino.

Até porque “europeu puro” no Brasil não existe. Quem estudou a história do nosso país a sério sabe que aqui virou um verdadeiro “surubão de Noronha” até o início do século passado.

Mas não vou falar sobre isso agora. Vou deixar mais essa capítulo da verdade sobre a miscigenação do brasileiro para outro artigo.


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@oEduardoMoreira