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As inconsistências de ‘Hackers: Piratas de Computador’, nos aspectos tecnológicos

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O primeiro grande ‘boom’ da internet aconteceu em 1995, e todo mundo se interessou “do nada” pela cultura dos hackers, mesmo sem compreender direito o que esse termo realmente significava.

Vários conteúdos de mídia apareceram sobre o assunto, como ‘Ghost in the Shell’ (a animação, não o filme live action), Johnny Mnemonic (com Keanu Reeves, antes mesmo de ‘Matrix’) e ‘A Rede’ (protagonizado por Sandra Bullock).

Mas o grande filme que explorou o hacking e a recém-nascida internet com toda a força foi mesmo ‘Hackers: Piratas de Computador’. E esse filme é, de forma até óbvia, cheio de problemas e inconsistências sobre o tema central.

 

Antes de começar, um aviso para a sua nostalgia

Não me leve a mal: o filme ainda é um clássico dos anos 90, e marcou a forma em como Hollywood vem representando os hacerks desde então.

Porém, olhando para os aspectos tecnológicos (e com toda a maturidade que a humanidade como um todo absorveu sobre o assunto), ‘Hackers: Piratas de Computador’ passa longe de ser uma representação real da cultura hacker e até mesmo do funcionamento da internet ou da tecnologia, mesmo naquela época em que o MS-DOS era muito popular e o Windows 95 estava nascendo.

Tudo o que vou mencionar no artigo não tem como objetivo destruir a sua infância. Apenas faz um reposicionamento narrativo que é importante para tudo na vida.

Logo, pode ficar tranquilo, pois ‘Hackers: Piratas de Computador’ ainda é um dos meus filmes favoritos. E isso não vai mudar. E não deveria mudar para você também, independentemente de qualquer coisa que vou escrever a partir de agora.

 

O que eu vejo não é o que você diz

Acid Overburn (Angelina Jolie) afirma que tem um computador “de última geração”, que é um laptop com “chip P6” (Pentium 2), com um modem que pode alcançar uma velocidade de 28.800 kbps (top de linha na época).

Na prática, o que aparece em cena é um notebook que alcançou 1.200 kbps de conexão, e com uma cara de laptop da Apple… que só recebeu um processador Pentium e/ou barramento PCI (compatível com o mencionado modem) muitos anos depois do lançamento do filme.

Ou seja ou ‘Hackers: Piratas de Computador’ previu o futuro, ou temos a primeira grande “liberdade criativa” de um roteiro de ficção.

 

Hackear um canal de TV: pode isso?

Crash Override conseguiu hackear um canal de TV e mudar a sua programação. Vamos pensar um pouco sobre isso.

Ele fingiu ser um funcionário da contabilidade para ter acesso ao seu computador, telefonou para o vigia noturno do canal para pedir que ele leia o número de telefone utilizado pelo modem para a conexão.

Aqui, o filme antecipa algo que é utilizado até hoje pelos cibercriminosos para golpes cibernéticos: a engenharia social.

O problema é a estupidez em ter um número de telefone escrito ao lado do modem, sem falar que o equipamento fica ativo durante a madrugada esperando por uma chamada.

E o fato do computador do contador estar conectado na mesma rede que controla toda a transmissão sequer é mencionado, pois isso seria uma vergonha.

 

(Quase) todo mundo é estúpido neste filme

Ser um hacker em ‘Hackers: Piratas de Computador’ é algo fácil. Não é apenas a engenharia social que mostra a burrice do coletivo neste cenário (e, parando para pensar, isso é algo crível até hoje).

No começo do filme, um hacker invadiu um supercomputador usando a senha de superusuário… que era do chefe de Relações Públicas, e não do chefe de segurança da empresa.

E a senha em questão era ‘deus’.

Sem comentários.

Outro exemplo claro de deficiência cognitiva do coletivo é quando o hacker ‘Cereal Killer’ fingiu ser um funcionário da empresa de telefonia para entrar no prédio do SERVIÇO SECRETO DOS ESTADOS UNIDOS para colocar um microfone no local.

Ao mesmo tempo, os protagonistas só precisaram adotar o método de Trashing contra o sistema informático da Ellingson Mineral para obter 50 senhas para penetrar nos sistemas corporativos da empresa.

Fácil demais.

 

Ninguém entendeu o que significa ‘malware’

Em ‘Hackers: Piratas de Computador’, um malware é sempre chamado de ‘worm’, apesar de se comportar como um vírus normal, e não como uma ameaça cibernética que se replica em massa.

Para resolver o problema, o hacker Plague libera um vírus que assume o controle remoto dos navios cargueiro da Ellingson Mineral, com o objetivo de afundá-los bombeando água para dentro deles.

OK. Vamos pensar um pouco sobre isso:

  • Problema 1: em 1995, não existiam as conexões de internet via satélite. E a internet não era necessária para acessar a navegação por GPS de cada navio. Ou seja, o argumento não só era ridículo, como era mentiroso para o cenário da época.
  • Problema 2: navios com sistema de injeção de água de lastro 100% computadorizados é algo absurdo até mesmo para os dias de hoje. É um cenário tão complexo, que os sistemas de backup manuais dos dados são funcionais até hoje.

 

O ponto mais crível de ‘Hackers: Piratas de Computador’

Uma das técnicas de hacking mais plausíveis e adotadas até hoje é uma das mais realistas de ‘Hackers: Piratas de Computador’: o chamado ‘Phantom Phreak’, onde você consegue realizar chamadas internacionais gratuitas a partir de telefones públicos.

Em 1995, este era um aspecto central da cultura hacker, e a técnica do ‘redboxing’ apresentada pelo filme (que é o uso do dispositivo que gerava tons para simular a inserção de fichas ou moedas na cabine telefônica) ainda funciona até hoje.

‘Hackers: Piratas de Computador’ nunca teve uma continuação, apesar do seu diretor afirmar em 2020 que considerava filmar uma sequência da história.

Ou seja, o filme ‘Hackers 2: Operação Takedown’ de 2000 não é uma sequência de ‘Hackers: Piratas de Computador’, e todo mundo foi enganado por um filme com nome dado pelo pessoal do SBT.

Aliás, esse filme foi rebatizado com esse nome depois que chegou ao mercado doméstico, aproveitando a fama do filme de 1995 e (por incrível que pareça) sua história é muito mais crível que ‘Hackers: Piratas de Computador’ nos aspectos tecnológicos, já que era focado na captura de Kevin Mitnick.

Mas isso é outra história.


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@oEduardoMoreira