Eu saí do meu apartamento no centro de Florianópolis debaixo de uma chuva considerável. Decidi ir ao shopping mais próximo à pé porque fica perto daqui (menos de 2 km) e pegar Uber nesta cidade com essas condições climáticas seria algo impossível.
Até queimei R$ 37 do meu dinheiro para comprar pipoca e refrigerante, algo que prometi a mim mesmo que nunca mais faria (mas sempre acabo sucumbindo como um fraco miserável). Logo, não podem dizer que não assisti a ‘As Marvels’ com o coração aberto. Inclusive escrevi tudo o que me agradou nesse filme.
Agora… nada disso me impede de compartilhar com você tudo o que me deixou um tanto quanto irritado nessa história.
A Marvel deve algumas explicações…
De novo: eu sei que o roteiro e a produção de ‘As Marvels’ ainda são frutos dos resquícios da maior crise sanitária global dos últimos 100 anos e da herança maldita deixada por Bob Chapek na Disney. Mas nem isso é desculpa para algumas das soluções inexplicáveis deixadas nessa história.
No desespero em querer trazer de volta os nerdolas que odeiam a Brie Larson, não é exagero dizer que transformaram a Carol Danvers na verdadeira vilã do filme. O nome “A Aniquiladora” soa como “A Usurpadora” nos ouvidos em todas as vezes que é repetido, e fica evidente que a personagem tem que lidar com as consequências de uma autoconfiança que foi transformada em arrogância e prepotência pelo roteiro.
Todo o background emocional de Carol Danvers que foi desenvolvido no primeiro filme foi descartado, já que o roteiro de ‘As Marvels’ mostra a heroína como alguém com sede de vingança que prometeu acabar com uma guerra milenar e só conseguiu deixar OS DOIS GRUPOS ENVOLVIDOS NO CONFLITO AINDA MAIS NA MERDA!
Ela foi rejeitada PELOS DOIS LADOS DO CONFLITO. Inacreditável!
Aliás, é evidente que ‘As Marvels’ não pulou a narrativa de ‘Invasão Secreta’ pela alteração das datas de lançamento dos projetos. O filme simplesmente ignora ABSOLUTAMENTE TUDO o que aconteceu naquele lixo de série, já que a solução que Carol Danvers dá para um grupo de refugiados Skrull poderia ser tomada A QUALQUER MOMENTO, inclusive para os alienígenas escondidos na Terra.
A Sabre, que é uma entidade inútil, poderia ter tomado essa solução desde o começo, e Invasão Secreta não teria qualquer motivo para existir (não daquele jeito mequetrefe que foi na série do Disney+).
Sem falar que é uma solução que não refresca absolutamente nada. Tem mais Skrull na Terra do que habitantes em Nova Iguaçu, e ninguém vai fazer mais nada sobre isso.
Sobre a menina Kamala Khan, eu tenho até dó de falar sobre isso. Eu adoro a personagem. Dá vontade de adotá-la como minha irmã. Mas… duas coisas não se explicam de jeito nenhum.
- Segundo o que vimos na série Ms. Marvel, o bracelete é o elemento que desbloqueia os poderes da menina. Mas em pelo menos um momento do filme, ela consegue discretamente ativar seus poderes SEM OS BRACELETES. E nem mesmo toda a evolução da personagem ou DNA mutante serve para deixar claro o que aconteceu.
- ‘As Marvels’ começa sua história EXATAMENTE DO PONTO ONDE Ms. Marvel terminou. E na série do Disney+, Kamala Khan acabou de conhecer os seus poderes, e no máximo criava degraus de escada de luz… e corria. Então… como e quando ela aprendeu em questão de SEGUNDOS as técnicas avançadas de luta que ela apresenta no primeiro ato do filme?
Dona Marvel Studios… me ajuda a te ajudar!
Espere… tem mais de onde veio essas aqui…
O roteiro de ‘As Marvels’ é apressado para determinados eventos, e mesmo em um filme que se propõe a ter uma narrativa mais ágil pelo senso de urgência, ele se atropela de forma desnecessária. Por outro lado, se ele tivesse mais do que 1h45 de duração, corria sérios riscos de inventar mais bobagens do que mostrou nos aspectos narrativos.
Fato: a única pessoa que vai se lembrar da existência de Dar-benn (Zawe Ashton) como vilã nesse filme é mesmo o noivo dela, Tom Hiddleston. Ela é insípida, insossa, inexpressiva e esquecível. Entrou fácil na prateleira das piores vilãs, mesmo com motivações muito mais interessantes que tragédias como Ivan Vanko e Mandarin.
A tão polêmica cena do país onde todo mundo canta é sim divertida. E eu entendi a piada, principalmente com a Brie Larson. Mas não culpo quem vai odiar essa sequência, que só não é de todo inútil porque é uma das conveniências cretinas do roteiro.
Já o Nick Fury foi transformado em um velho decadente que vira babá da família da Kamala que, de forma COMPLETAMENTE DESNECESSÁRIA, vai de um lugar para outro, sendo que o planeta Terra em si está BEM LONGE DE SER AMEAÇADO DE VERDADE (mesmo com o cenário criado no terceiro ato).
Aliás, a Sabre existe no filme “para constar”. Com ou sem essa entidade, Monica Rambau não seria menos na trama, e nem mesmo para ajudar as heroínas na missão em diferentes quadrantes do nosso Universo essa agência serve de alguma coisa.
Pelo contrário: se mete em um enorme problema da forma mais ridícula possível, e entrega uma solução medonha para salvar todo mundo (por mais que eu tenha me divertido com a referência à aquele que é considerado “o pior filme da década passada”.
Mas…. lembra quando eu disse sobre as conveniências de roteiro desse filme?
A mais cretina, sacana e desavergonhada de todas veio no final.
Daqui pra frente é com #SPOILERS mesmo!
É claro que as heroínas resolvem o problema, mas não sem perdas como consequência.
Alguém tinha que ir lá e fechar a incursão que a vilã insossa abriu por PURA BURRICE (ela foi avisada que iria morrer na tentativa e, sinceramente, me incomodou absurdamente essa demonstração de empatia por alguém que acabou de passar a perna em todo mundo; na boa, seria melhor o silencio e deixar ela se ferrar). E nesse momento, era só fazer as contas.
Uma das heroínas era uma menina que ainda estava aprendendo a usar os seus poderes que vinham de braceletes (ou não, já que eles nem eram tão importantes assim).
A outra heroína passou por um HEX criado por uma bruxa e, dias depois disso, foi para o espaço e passou algumas semanas desenvolvendo esses poderes. Mas nem de longe tem o mesmo nível de poder de uma Capitã Marvel (mesmo sendo filha de uma mutante).
E a terceira é ninguém menos que Carol Danvers, que recebeu como REGRA NO MCU o status de “a personagem mais poderosa desse universo”, com um poder concentrado absurdo. Ela sozinha pode destruir planetas e ressuscitar um sol.
Então… quem é que foi lá fechar a incursão PELO LADO DE DENTRO e ficar presa em um universo que não era o dela?
É claro que é a Monica Rambeau, de forma incrivelmente conveniente. Ela recebe os poderes de Kamala e de Carol, fecha a porta para outro universo… e fica presa lá para, com alguma sorte, ser resgatada por Deadpool e Wolverine no futuro.
Bom, eu espero que ao menos isso aconteça. Até mesmo para justificar a ida dela para o universo dos X-Men da Fox.
Enquanto isso, Carol Danvers assiste a sobrinha se ferrando lindamente quando a missão de fechar a incursão deveria ser dela em qualquer roteiro decente.
Ah, sim… já ia me esquecendo.
Todo mundo sabia que ‘As Marvels’ passou por várias refilmagens, e a edição final sequer teve a diretora Nia da Costa testemunhando o trabalho, já que ela abandonou a pós-produção do filme para assumir outro projeto.
Mas chega a ser algo canalha a Marvel adicionar uma de suas cenas pós-créditos como parte da narrativa principal do filme, na última cena. Um filme inteiro completamente desconectado com todo o resto do MCU teve nos seus segundos finais uma cena que dá algum ponto de cola com algo que já foi apresentado na história principal.
E faz isso de forma tão malfeita, que vira uma “quebra de quarta parede involuntária”. Sim, pois ou Kamala Khan testemunhou a primeira conversa de Nick Fury e Tony Stark, ou ela viu essa conversa como todo mundo: nos cinemas.
Não me irritou, mas… quase!
Pode não parecer, mas não saí espumando de ódio dos cinemas ao término de ‘As Marvels’. Esse título ainda é de ‘Batman vs Superman’ de Zack Snyder. Como eu disse no outro artigo, eu até me diverti com esse filme.
Mas os problemas absurdos de roteiro e construção de narrativa me incomodaram. A Marvel Studios criou uma história grande demais, e agora tem enormes dificuldades em unir as pontas soltas, deixando incoerências e inconsistências flagrantes.
Sei que diante do estrago promovido pela política de Bob Chapek em forçar produções do MCU em escala industrial, a melhor saída de Kevin Feige para consertar tudo é mesmo o reboot desse universo. E nesse sentido, essa história precisa das Guerras Secretas.
Mas até chegar lá, absurdos como a gigante estátua de pedra esquecida no oceano (e ninguém até agora fala sobre esse metafórico elefante branco na sala), os Eternos que poderiam mudar tudo e não fizeram nada, uma Pantera Negra que boa parte do mundo civilizado rejeita, uma Carol Danvers que virou vilã e um arco incrível como Invasão Secreta absurdamente atirado no lixo por causa de uma narrativa pobre vão continuar por mais algum tempo.
Deixar apenas ‘Deadpool 3’ na programação de 2024 é um sinal claro de que Kevin Feige não vai mover esforços para consertar tudo o que está errado. Mas vejo cada vez mais crível o cenário de apelação da Marvel Studios, que é trazer de volta quem já morreu.
Detalhe: o trailer final de ‘As Marvels’ foi o ponto de partida dessa apelação nefasta, pois vincula de forma descarada Os Vingadores, mesmo com uma narrativa que tem conexão zero com esse arco.
Fica a dica: rumores indicam que Chris e Robert já aceitaram voltar, e Scarlett tem projeto em desenvolvimento na Marvel. Quem duvida que não vai acontecer?
Está mais na cara que o previsível roteiro de ‘As Marvels’.