Só eu que estou me divertindo com essa paranoia entre Estados Unidos e China no mundo da tecnologia? Se sim, vou começar a pensar que essa é uma diversão mórbida de minha parte.
Ou que realmente os chineses deram um olé nos norte-americanos, e isso está deixando muitos ianques extremamente irritados.
Nos meados de agosto, a Huawei apresentou o seu novo smartphone flagship, o Huawei Mate 60 Pro. Aparentemente, este é um lançamento banal e comum, mas que deixou pontos enormes de interrogação pela ausência de informações prévias e a sua não disponibilidade de lançamento fora da China, pelo menos em um primeiro momento.
Mas conforme os detalhes sobre o dispositivo foram aparecendo na mídia especializada, a polêmica começou. E a onda de paranoia só aumentou.
Explicando o caso
Quando olharam com mais detalhes para as especificações técnicas do Huawei Mate 60 Pro, descobriram que ele contava com um processador Kirin 9000S e uma série de componentes não autorizados, como as memorias SK Hynix.
E os americanos ficaram incrédulos quando descobriram isso.
O segredo por trás do Kirin 9000S deixou ainda mais tensa a relação entre os Estados Unidos e a China nessa grande disputa tecnológica. Quando a administração dos EUA anunciou o banimento da Huawei no país, eles buscaram assegurar que o país asiático não tivesse acesso aos mais avançados processos de fabricação de semicondutores, entre outros recursos e tecnologias onde as empresas norte-americanas estavam teoricamente na frente.
Foi um movimento calculado por parte do governo norte-americano (ou pelo menos as pessoas envolvidas no banimento da Huawei acreditaram nisso cegamente). Inicialmente, estimou-se que as empresas chinesas só poderiam produzir chips com 14 nanômetros, no máximo, deixando os comedores de hambúrguer mais tranquilos.
Porém, o Kirin 9000S, fabricado pela HiSilicon (uma subsidiária da Huawei), foi construído em uma litografia de 7 nanômetros, o que pode ser considerada uma façanha tecnológica que levantou muitas sobrancelhas nos EUA.
Do que os norte-americanos têm medo?
Ao analisar o SoC, a empresa canadense TechInsights descobriu esse processo de fabricação que beira ao revolucionário, gerando preocupações em solo americano. Os especialistas se questionam sobre como a China conseguiu acelerar tão rapidamente o processo de fabricação de semicondutores, indo além dos 7 nanômetros e até flertando com os 5 nanômetros.
Seria porque os norte-americanos são muito arrogantes e prepotentes, acreditando que são melhores em tudo e simplesmente ignorando que a China não é uma das maiores potências globais por nada?
De qualquer forma, esse cenário não é apenas sobre a tecnologia aplicada e o avanço de um país neste campo, mas também de segurança nacional e economia.
Os Estados Unidos se esforçaram para restringir o acesso da Huawei a componentes e tecnologias avançadas. E agora, com o surgimento do Kirin 9000S, estão preocupados que a China tenha encontrado uma brecha nas restrições comerciais impostas há três anos.
Na verdade, os norte-americanos também estão preocupados por não saberem o que realmente acontece na China. E, na prática, ninguém sabe: praticamente tudo o que compramos vem daquele país, e é bem plausível acreditar que eles passaram anos aprendendo a desenvolver essa fabricação de chips e componentes em uma velocidade muito maior que a dos outros países.
Gina Raimondo, Secretária de Comércio dos Estados Unidos, declarou em uma audiência na Câmara de Representantes que não possuem “evidência de que o fabricante chinês Huawei possa produzir smartphones com chips avançados em grande volume”.
Para os EUA, a fabricação em massa desses chips em 7 nanômetros é vista com ceticismo. A questão central é se o Kirin 9000S é uma demonstração de força da Huawei, ou se a empresa planeja utilizar SoCs com nomenclaturas menos avançadas em seus futuros dispositivos.
Outro ponto de preocupação dos norte-americanos (e aqui, devemos sim encarar uma boa dose de paranoia nessa teoria) está também na possibilidade de que o Kirin 9000S tenha sido fabricado com tecnologia americana, violando assim as restrições comerciais.
Jake Sullivan, Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, ecoou as palavras da Secretária Raimondo ao afirmar que o governo está em busca de mais informações sobre a composição desse chip.
Deve ser irritante ser passado para trás…
O avançado estado da engenharia chinesa em relação à fabricação de semicondutores parece ter irritado profundamente os Estados Unidos. O que começou como uma batalha entre os EUA e a Huawei agora se transformou em uma guerra tecnológica praticamente aberta entre duas das maiores potências do mundo.
Enquanto isso, na Câmara de Representantes dos EUA, há um clamor para que o país revise seus protocolos e fortaleça os controles de exportação para países considerados “adversários”.
Ao mesmo tempo, a China não fica de braços cruzados. Recentemente, o governo chinês afirmou ter recebido relatórios de vulnerabilidades de segurança nos iPhones. Embora ainda não esteja claro se essas alegações são fundadas, o país está buscando motivos para restringir o uso do smartphone da Apple em algumas empresas e entidades públicas.
Eu até poderia dizer mais uma vez que todo esse cenário de paranoia entre Estados Unidos e China é divertido. Afinal de contas, quem é que não gosta de ver aquele país que sempre se julgou o mais poderoso do mundo sendo passado para trás por nada menos que 1 bilhão de habitantes?
Na prática, essa tensão entre os dois países vai afetar de forma profunda o mercado global de tecnologia, onde todos os continentes podem sofrer por falta de componentes e produtos, encarecendo o segmento como um todo.
Neste momento, Estados Unidos e China estão brigando pelo domínio econômico no setor de tecnologia, e ainda acho que a Coreia do Sul vai tirar vantagem de tudo isso (acho que escrevi algo desse tipo em algum lugar…).
Enquanto nenhuma solução pacífica aparece, vamos testemunhando ataques e contra-ataques. E o nosso cartão de crédito pode ser a mais vulnerável vítima desse tiroteio conceitual e ganancioso.
E isso não tem a menor graça.