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O dia que conheci Marquinhos e Balduíno, dois protagonistas da rivalidade centenária entre Avaí e Figueirense

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Eu não me esqueci dessa pauta. Só não tive tempo para escrever sobre isso antes, e entendo que um assunto como esse merece o meu respeito e atenção.

Aliás, não só o assunto, como os dois protagonistas do artigo.

Eu amo esportes. Amo futebol. Mesmo que o São Paulo Futebol Clube (e, principalmente, a sua diretoria nefasta) não me ame muito ultimamente. E viver em Florianópolis significa testemunhar uma relação de amor e ódio entre Avaí e Figueirense que vai completar 100 anos em 2024.

Na semana passada (14 de setembro de 2022), participei de uma roda de conversa envolvendo dois jogadores que são muito importantes nessa história quase centenária: Marquinhos, ex-jogador do Avaí (considerado por muitos o maior ídolo da história desse time) e Balduíno, ex-jogador de Figueirense e Avaí (e o jogador que mais vezes disputou o clássico entre as duas equipes – mais de 70).

O encontro aconteceu no Museu de Florianópolis e foi organizado pelo SESC. E ouvir o que os dois jogadores tinham a dizer me ofereceu novas perspectivas sobre esse confronto, me fazendo entender por que Avaí e Figueirense se amam e se odeiam na mesma proporção.

 

Muitas lendas em uma rivalidade pitoresca

Aqueles que não moram em Florianópolis (SC) não entendem por que Avaí e Figueirense se retroalimentaram nessa relação conflituosa. Eu, que moro na cidade desde 2018, também não entendo, pois os dois times estão bem longe de serem gigantes do futebol brasileiro.

Aliás, as grandes potências nacionais do futebol cresceram e prosperaram porque tinham rivais para superar. Grêmio vs Internacional, Atlético Mineiro vs Cruzeiro, Atlético Paranaense vs Paraná, São Paulo vs Corinthians vs Palmeiras vs Santos, Flamengo vs Fluminense vs Botafogo vs Vasco, Ceará vs Fortaleza, Bahia vs Vitória… enfim, vocês conhecem os exemplos.

Mas o mesmo não aconteceu com Avaí vs Figueirense. Bom, quero dizer, o clássico é questão de vida ou morte aqui em Florianópolis. Porém, apesar de algumas façanhas pontuais, os dois times não são maiores do que são ou estão neste momento.

O Avaí é o “time golfinho”: fica na Série B a maior parte do tempo, sobe um ano para a Série A, faz uma gracinha e, no ano seguinte, volta para a Série B. E o Figueirense, que foi vítima de um aventureiro golpista, está na Série C e, pelo andar do campeonato, deve ficar mais um ano nessa divisão.

Mesmo assim, a rivalidade é tratada com a mesma ênfase e zoação que as grandes rivalidades históricas que existem no futebol mundial. Eu prefiro chamar esse jogo de “Boca vs River com sérias restrições orçamentárias”, mas é melhor eu não falar isso perto de algum torcedor de um dos dois times.

De qualquer forma, não dá para dizer que essa relação de amor e ódio envolvendo Avaianos e Figueiras não é algo, no mínimo, pitoresco e singular. É até divertido ver as provocações de lado a lado, com um tom típico de uma cidade do interior, bem menos agressiva que nas grandes torcidas das principais capitais brasileiras (apesar de recentemente alguns incidentes mais sérios despertar um pouco de medo no torcedor comum).

Então, assistir aos relatos de Balduíno e Marquinhos não só era importante para entender melhor a rivalidade centenária entre os times, mas também como a cidade de Florianópolis gira em torno dessa disputa que, na minha opinião, não faz tanto sentido assim.

Aliás, nem mesmo para os ex-atletas e ídolos de Avaí e Figueirense.

 

Com a palavra, Marquinhos e Balduíno

Durante a conversa, Marquinhos e Balduíno tiveram a chance de falar sobre momentos especiais envolvendo o clássico Avaí vs Figueirense. E sei que estou escrevendo o óbvio neste momento, mas esse é um campeonato a parte envolvendo as duas equipes. E os dois jogadores tinham a exata dimensão disso.

Noites de sono perdidas, frio na barriga, a preocupação com o dia seguinte em caso de derrota e a gana de vencer o adversário foram alguns dos temas compartilhados pelos atletas. Ao mesmo tempo, ambos traçavam um paralelo entre o passado e o presente das duas equipes.

Em alguns momentos, tanto Marquinhos como Balduíno se emocionaram ao relatar as suas respectivas trajetórias no Avaí e no Figueirense. E dava para sentir que, para eles, essa jornada era muito mais significativa do que a satisfação pessoal ou o sucesso profissional. Os dois demonstraram o amor pelo futebol e por jogar futebol para os dois times.

Em comum, Marquinhos e Balduíno enfatizaram como Avaí e Figueirense transformaram as suas respectivas vidas para sempre, destacando os caminhos da vida que os conduziram ao status de ídolos dessas equipes. Como retribuição pelos serviços prestados, os torcedores enxergam nos dois personagens importantes para a manutenção do “querer torcer” para uma dessas equipes.

Os clássicos mais importantes de cada um desses jogadores foram relembrados a partir da perspectiva do campo, relembrando detalhes de lances que só eles poderiam ver e relatar. E é sempre muito interessante ouvir de quem estava lá essa visão de jogo que nós, meros mortais, dificilmente conseguimos alcançar.

É claro que as histórias mais curiosas também apareceram. Balduíno destacou o profissionalismo do presente em comparação como semiamadorismo do passado, onde as bolas e linhas de campo eram pintadas de branco com a mesma tinta que o treinador usava para pintar casas. Já Marquinhos compartilhou os momentos em que até os próprios companheiros do Avaí ficaram contra ele nas partidas, e até mesmo um dos bastidores polêmicos dos vestiários do Santos, uma vez que ele foi companheiro de equipe de Neymar e Ganso na Vila Belmiro.

E essa história eu não vou contar neste artigo. Está sabendo apenas quem foi no evento.

 

O que eu aprendi com a rivalidade entre Avaí e Figueirense

Aprendi que Florianópolis é bem mais divertida com a existência de Avaí e Figueirense. E entendo que o surgimento dos dois times seria algo inevitável, até mesmo pela estrutura da cidade.

O Avaí é o time da ilha. O Figueirense é o time do continente. E quem mora aqui sabe que essa divisão geográfica transforma duas cidades em uma só, com ritmos, estilos de vida e visões de mundo diferentes. Logo, cada lado seria representado por um time de futebol (e essa separação se materializa em outros campos culturais e artísticos).

Na prática, Avaí e Figueirense são aquele casal de velhinhos que se suportam a vida inteira, com discussões homéricas e declarações pesadas de lado a lado. Porém, no final do dia, se deitam na mesma cama, ficam de costas um para o outro e aguentam os peidos vindos de um intestino envelhecido, já que é isso o que realmente prova o amor um pelo outro.

Avaí e Figueirense “amam se odiar”, pois precisam um do outro para justificar suas respectivas existências em Florianópolis. Aliás, Marquinhos e Balduíno também destacaram os aspectos negativos dessa rivalidade: ambos entendem que o ódio exacerbado de alguns torcedores não faz qualquer sentido lógico e racional, já que os dois times enfrentam enormes dificuldades para sobreviver no futebol brasileiro.

E eles estão certos.

Os dois times dividem uma Florianópolis com pouco mais de 500 mil habitantes, com muitos idosos e mulheres como maioria, e com 56% dos moradores que não nasceram na cidade. E não existe nenhum plano para convencer aqueles que vieram de fora a torcer por um dos dois times, o que poderia aumentar o número de sócios e, respectivamente, a arrecadação de receitas a médio e longo prazos.

Eu mesmo sou uma exceção da regra. Me tornei sócio do Avaí por uma questão meramente econômica, pois como estava indo aos jogos de forma mais frequente, entendi que era mais barato pagar R$ 80 por mês e ter meu assento garantido do que pagar R$ 200 por jogo (preço dos jogos contra Palmeiras, Flamengo e Corinthians pelo Campeonato Brasileiro 2022). Mas fiz isso porque tenho um amigo doente pelo Leão da Ilha que me encheu o saco de todas as formas possíveis para ir assistir aos jogos no estádio.

De qualquer forma, eu passei a entender melhor a história de Avaí vs Figueirense, e sou grato por Marquinhos e Balduíno dispensarem um pouco de tempo para compartilhar suas histórias e visão objetiva sobre esse clássico.

Mais do que isso: demonstraram que são tão Avaianos e Figueiras quanto qualquer torcedor que foi ao estádio ao longo de quase 100 anos para torcer e aplaudir os dois times. E isso é muito mais importante que qualquer dimensão que eu venha dar ao clássico envolvendo dois times de uma cidade cuja identidade esportiva se construiu em torno dessa rivalidade.

E isso basta.

Conhecer Marquinhos e Balduíno foi como ter uma aula sobre o futebol de Florianópolis. E toda aula com ótimos professores é sempre muito bem aproveitada. Bom, pelo menos agora sei um pouco mais sobre esses times com torcedores apaixonados que adoram se odiar. E que sentiriam uma falta de amor enorme na inexistência de um deles.


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@oEduardoMoreira