O problema não é fracassar. Errar faz parte da vida, e é o segredo do sucesso de muita gente. O verdadeiro problema é que algumas coisas que fracassam se tornam icônicas, e nós ficamos nos lamentando pelo fato desses produtos não fazerem sucesso no mercado de tecnologia.
Sim, eu sei. Soou um pouco confuso. Vou simplificar.
Há duas décadas, a Nokia, que até então era uma força dominante do mercado de telefonia móvel, decidiu dar um salto ambicioso e entrar no mundo dos videogames portáteis com o lançamento do Nokia N-Gage. E isso se transformou em uma tentativa frustrada de competir com a dominância da Nintendo.
Vamos explorar neste artigo os principais pontos que levaram ao declínio e fracasso do Nokia N-Gage.
Uma aposta desafiadora
O Nokia N-Gage foi lançado em 2003, e era um celular-console que pretendia enfrentar diretamente o popular Game Boy Advance da Nintendo. Com um design semelhante e uma tela vertical, o dispositivo buscava conquistar os jogadores ávidos por uma experiência de jogo portátil de alta qualidade.
Mas… não dava para obter alta qualidade com o resultado prático que a Nokia entregou no dispositivo. O conjunto geral era interessante, mas outros fatores atrapalharam o sucesso do produto, e algumas coisas poderiam sim ser evitadas pela própria Nokia.
Apesar de oferecer um hardware poderoso (na época) com a presença do processador ARM 920T e receber e recursos adicionais como reprodutor MP3 e navegador GPS, o Nokia N-Gage enfrentou vários problemas de usabilidade. Sua memória interna limitada de apenas 3,4 MB e a necessidade de desligar o dispositivo e abrir a tampa traseira para trocar os jogos em cartões eram inconvenientes para os usuários.
Lembrando que os consoles portáteis da Nintendo ofereciam acesso livre para a troca de cartuchos, em um sistema muito mais acessível.
A concorrência desleal
O mercado de videogames portáteis já era dominado pela Nintendo, com o seu Game Boy Advance conquistando um sucesso estrondoso. Com isso, o N-Gage enfrentou dificuldades para competir com a vasta biblioteca de jogos e o apoio das desenvolvedoras de jogos que a Nintendo desfrutava.
Não só apoio como, em alguns casos, a exclusividade de desenvolvimento de títulos. A Nokia teve que se virar para entregar jogos para o N-Gage, pois a Nintendo controlava de forma rígida esse aspecto com seus parceiros.
E para piorar, os jogos do N-Gage tinham uma qualidade abaixo dos títulos da Nintendo e eram caros, espantando com força usuários e potenciais clientes.
Além disso, o alto preço cobrado pelo N-Gage na época o colocou em desvantagem em relação à opção mais acessível da Nintendo. E como no final o que manda é o preço do produto, o telefone-videogame da Nokia virou um autêntico esquecido no churrasco dos videogames portáteis.
Outro fator crucial para o fracasso do N-Gage foi a estratégia de distribuição. O dispositivo era vendido principalmente em lojas de videogames em vez de lojas de telefonia, o que o colocava diretamente em competição com consoles portáteis consolidados.
E desconfio que ele teria fracassado do mesmo jeito se fosse comercializado nas lojas de telefonia móvel ou operadoras. Por outro lado, seu público seria mais diversificado, sem bater de frente com a concorrência.
O declínio e fim do Nokia N-Gage
Em uma tentativa de remediar a situação, a Nokia lançou uma revisão do produto chamada N-Gage QD, que corrigiu alguns problemas de usabilidade, como a posição do microfone e do alto-falante, além de permitir a troca de jogos sem a necessidade de desligar o dispositivo. No entanto, essas melhorias não foram suficientes para reverter o cenário estabelecido pelo N-Gage clássico.
Em novembro de 2005, a Nokia anunciou o fim da produção do N-Gage, com vendas significativamente abaixo das expectativas e uma reputação manchada.
A falta de experiência da Nokia no mercado de videogames e a ousada tentativa de competir com uma gigante como a Nintendo são os dois principais responsáveis pelo fracasso do N-Gage no mercado. E isso, porque o conceito do telefone em si não era ruim na teoria.
Dá para dizer que o Nokia N-Gage é um produto que chegou no tempo errado. Se ele fosse lançado cinco anos depois, com uma visão diferente daquela que os finlandeses adotaram para o produto, quem sabe ele poderia dar certo.
Até porque estamos em 2023, e temos uma categoria exclusiva para os smartphones gaming, o que mostra claramente que o conceito funcionou. O mercado aceitou o fato de que os gamers queriam jogar nos telefones, mas a caminhada até esse momento foi longa e com uma série de transformações.
O Nokia N-Gage era um produto a frente do seu tempo, mas com estratégias que indicavam claramente um fracasso quase inevitável. O que não deixa de ser algo triste. Eu mesmo gostaria que esse telefone em forma de Game Boy Advance desse certo.
Mas quis o destino que tudo acontecesse da forma que eu acabei de contar neste artigo.