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Shooting Star: é Glee colocando o telespectador para pensar na vida

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O assunto mais falado no mundo das séries nos últimos três dias é o episódio de Glee exibido na última semana (11/04) nos Estados Unidos. Shooting Star aborda o polêmico e atual tema de porte de armas, além de reproduzir parcialmente alguns recentes acontecimentos em instituições educacionais norte-americanas, que passaram a ser o cenário de massacres e ações de malucos que saem disparando à esmo contra inocentes. Mas o episódio vai além disso, e consegue, com sobras, ser o melhor episódio de Glee em quatro anos de série.

Tentando não passar spoilers para quem ainda não viu (e, se você não viu, recomendo que você veja o quanto antes), eu procurei ver o episódio como um episódio de uma série qualquer, sem carregar em minha mente todos os preconceitos que eu já tenho contra Glee desde a segunda temporada, que foi quando eu abandonei a série.

Entendo que a maioria que vai ler esse post pode entender que a série é ótima, mas ao meu ver, Ryan Murphy negligenciou demais a produção, com episódios que nada mais eram do que videoclipes gigantes, para inserir músicas para serem vendidas no iTunes. Sem falar na história que ficou engessada por muitas vezes, com personagens que não evoluíam em nada, e tramas que saem do nada para ir a lugar nenhum. Mas deixei tudo isso de lado para observar qual era o objetivo de Ryan Murphy com esse episódio.

E não me arrependi em nada.

Shooting Star tem de tudo. Você ri, você chora, você pensa naquela situação, se transporta para aquele cenário, e principalmente, se pergunta: “e se fosse comigo, ou com meu filho, sobrinho ou esposa?”. O primeiro ponto positivo desse episódio é que ele não é todo pensado no evento do “tiroteio” (entre aspas, pois você vai entender o que quero dizer quando assistir… ou se já assistiu, já sabe). O episódio começa como um episódio normal de Glee, com as situações bobas, com Brittany roubando a cena com suas teorias que só a sua mente maluca consegue criar, e com a lição da semana do Mr. Shue para o Glee Club: “a última canção”.

Aqui temos o primeiro ponto que Ryan Murphy quis questionar o telespectador: “você já disse ‘eu te amo’ para a pessoa que você ama hoje?”

Eu já disse isso em outros textos aqui no SpinOff TV Series: muita gente dessa atual nova geração de fãs de séries (que é parte do público-alvo de Glee), que tem como ideal de vida ser o mais individualista possível, mas viver dentro das ondas do seu grupo, é arrogante e metida o suficiente para se importar com essas três palavras. Tá, eu já passei por essa idade, e sei que quando você tem entre 14 e 20 anos, os pais são os nossos “maiores inimigos”.

Porém, quando você chega aos 34 anos de idade (meu caso), tem a sua própria vida, paga as suas contas, cuida dos seus filhos, e sabe o quanto é duro lutar todos os dias para que não falte comida na mesa. E aí você percebe que os seus pais não estavam tão errados assim. E você se arrepende das afrontas, das brigas, das discussões.

O meu coração já duro pelas dificuldades da vida sente isso. Eu não deixo mais passar a oportunidade para dizer “eu te amo” para aqueles que são próximos e especiais na minha vida. E, infelizmente, vivemos em um tempo onde nos esquecemos disso. E, de vez em quando, alguém precisa lembrar todo mundo o valor do “eu te amo” para alguém que a gente ama. Dessa vez, foi Ryan Murphy.

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O evento central (os tiros na escola) começam no minuto 17 do episódio, e só duram até o minuto 30. O que faz todo o sentido. O “all clear” dado pelas autoridades encerrou o incidente, e iniciou outras duas importantes discussões que Ryan Murphy quis levantar:

“Será que o porte de armas deixa você mais seguro?”

“O que podemos fazer para proteger nossas crianças e adolescentes desse cenário?”

Independente do motivo real pelo qual os tiros foram disparados (isso fica claro no final do episódio), é fundamental que essa discussão seja levada para um âmbito geral nos Estados Unidos, mostrando sempre os dois lados da questão. Tanto para quem defende o porte de armas quanto para quem é contra as armas nos lares norte-americanos.

Vale até para o Brasil, que tem índices de violência elevados, apesar das motivações serem distintas. Barack Obama quer retirar o porte de armas dos norte-americanos, e essa pode ser uma medida que deve reduzir o índice de massacres nos EUA. Porém, é fundamental também analisar e identificar as motivações para um adolescente pegar uma arma e sair atirando em uma escola.

Medo do futuro. Motivações religiosas. A mídia. Videogames. Pais ausentes. Drogas. Deslocamento social. Bullying. Falta do que fazer. Rejeição dos pais. Falta de “se amar”. Os motivos são os mais diversos.

Mais um ponto positivo para Murphy: o episódio também é feito para os pais refletirem. E aqui, o recado é “cuidem de seus filhos”.

É cada vez mais comum o perfil de pais que passam o dia em seus empregos (muitas vezes, mais de um) para sustentar sua família, enquanto os seus filhos passam o dia na escola (ou com a empregada, ou com a TV ou a internet…), e na grande maioria dos casos, eles não conseguem acompanhar os que acontece na vida dos seus filhos. Não sabem de suas conquistas, derrotas, angústias, medos, perspectivas. Muitas vezes os seus filhos estão sofrendo algum tipo de violência grave nos núcleos sociais que frequenta, e esse desencontro de rotinas diárias acabam afastando as duas partes. Pais e filhos.

Sem falar nos traços de humanidade que vemos em alguns personagens, que abrem mão do que é mais valioso para proteger a pessoa com quem mais se importa. Abrir mão do “vencer a todo custo” para ajudar alguém que está perdido, que tem medo, e que no fundo, não quer ferir, e sim, ter coragem de seguir em frente em um mundo lá fora que é cruel com tudo e todos. Quem viu o episódio sabe do que estou falando (e de quem estou falando).

Eu vejo isso muito claro em Shooting Star. São alertas valiosos, que todos nós precisamos observar, refletir e buscar compreender como aproveitar o melhor disso em nossas vidas. De vez em quando, as séries de TV fazem isso, e quando isso acontece, no lugar de criar conjecturas como “Murphy só fez isso para aparecer” ou “a Fox só colocou o episódio no ar para atrair audiência”, é melhor refletir nessas questões.

Com certeza o tal conselho dos pais dos EUA está falando horrores sobre o episódio, que mais mostra a perspectiva angustiante daqueles estudantes e funcionários do colégio que temiam por suas vidas, do que a experiência violenta de um assassino atirando à esmo.

Entendo que aqueles que possuem o direito genuíno de protestarem contra Shooting Star são os pais e estudantes que passaram por isso. E mais ninguém. Para os pais cujos filhos perderam suas vidas em situação semelhante, ver projetada na tela da TV uma situação próxima aquela que o seu filho passou é realmente uma facada no coração, um sentimento de dor e tristeza que nunca vai sair de seus corações e mentes. E, no fundo, esses pais não querem mais se lembrar disso. Mais: eles gostariam que isso nunca tivesse existido.

Por outro lado, entendo que toda pessoa que se diz pessoa de bem deve desejar que isso nunca mais aconteça. Eu ainda acredito que nenhuma vida inocente deve ser perdida pela insanidade ou insensibilidade do próximo. E penso que é assim que o décimo oitavo episódio da quarta temporada de Glee deve ser visto.

É o melhor episódio de Glee desde sua estreia. Prova que Ryan Murphy é mesmo um gênio. Não é algo inovador no seu conceito-base, já que outras séries abordaram o mesmo tema (vide One Tree Hill, que praticamente reproduziu o Tiros em Columbine), mas a forma como Ryan Murphy apresentou a sua proposta foi mais humana.

Torna Glee uma série boa? De jeito nenhum, já que a série tem mais débitos do que créditos (desculpem, fãs, mas existem episódios horrorosos dessa série). Mas finalmente Glee fez com que a “geração Justin Bieber” pensasse um pouco em questões importantes do mundo onde eles vivem. Do mundo real. Sem falar que o episódio atinge pontos que podem ser refletidos para que alguma coisa mude internamente.

O ideal seria que mudasse em todos nós.

No final das contas, eu convido você, leitor, que ao terminar esse texto, mais uma vez se aproxime daquele que você ama e diga “eu te amo”. Você não tem a menor ideia do quanto isso vai fazer bem para você e para esse alguém. Outra coisa: proteja a pessoa que você ama. No físico, no emocional, de qualquer forma, com todas as suas forças. E para os pais que acessam esse blog, fica uma súplica…

Protejam os seus filhos. Protejam seus sobrinhos. Façam o melhor para garantir que, no futuro, eles construam um futuro melhor para eles mesmos. É a principal missão que um pai e uma mãe precisa ter em vida. É um trabalho constante, que requer renúncias e sacrifícios. Eu não quero acreditar que “o futuro está perdido”. Ainda tem como ser consertado. Depende do que fazemos com nossas crianças hoje. Pode não ser o mundo perfeito para nós hoje, mas temos a chance de ajudar nossas crianças a fazerem um mundo melhor amanhã.

E Ryan Murphy… eu te aplaudo de pé. Mesmo achando Glee bem meia boca. Ainda.


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@oEduardoMoreira