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Por que avós e netos contam com um vínculo indestrutível? A ciência responde, é claro…

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Este artigo tem um alvo específico e um objetivo muito claro.

O alvo é uma certa senhora chamada Ana Aquini, que é avó como várias que conheço e conheci ao longo da vida: doida varrida, desbocada, falante, divertida, corajosa e assanhada. Porém, ela também é uma avó que tem uma relação absurdamente pegajosa com o seu neto. E isso acontece desde os primeiros minutos da vida do pobre coitado. E o convívio entre os dois é tão intrínseco, que ela chega a ter crises existenciais pela ausência dele que, em alguns momentos, chegou a se comportar como marido dela em momentos pontuais.

Tá, eu sei que é meio confuso explicar isso logo no começo de um artigo, mas essa é apenas uma forma disruptiva para entrar em um assunto que combina ciência e relacionamentos familiares profundamente afetivos.

O objetivo do texto é compartilhar com avós e netos o que a ciência fala sobre esse vínculo indestrutível entre esses dois membros de uma família. Aqui, estou sendo bem específico: as AVÓS, que são mães duas vezes, e os NETOS, que são os beneficiados diretos de todo o amor que essas mulheres aprenderam ao longo da vida.

Amor este que foi “sonegado” para as demais pessoas da família, apenas para ser dedicado exclusivamente para essa bolinha de carne que “tem méritos só por existir e respirar”. E só por isso o mundo é bem mais injusto.

Mas… antes de continuar, vou desabafar…

 

Porque o negócio aqui é pessoal!

A verdade é uma só: eu só me relaciono afetivamente com mulheres BEM mais velhas do que eu porque eu não passo de um ser carente de mãe e de avó.

Não me entenda mal. Minha mãe foi ótima para mim. Me deu educação e comida, sempre foi uma baita companheira e me deu os códigos morais e éticos para hoje ser uma pessoa desprovida de pensamentos conservadores (e olha que ela é filha de militares… ah, sim… e ela sofre de Mal de Alzheimer também…). Logo, só por isso, eu tenho mais é que agradecer.

Porém, ela sempre foi uma mulher muito severa com ela mesma e, por tabela, com os seus filhos. E eu nunca soube conviver bem com esse comportamento. Sempre procurei uma presença materna mais branda, com candura e disposta a oferecer mais carinho e menos ameaças de correção física por qualquer bobagem que eu fizesse.

Logo, eu sou o resultado do mais puro suco concentrado da inveja combinado com o recalque quando vejo essa ótima relação entre avós e netos. A única avó que tive morava em outro estado, e pouco pude conviver com ela (e, ainda assim, essa relação foi seriamente prejudicada pela minha mãe, que contaminou esse envolvimento com uma boa dose de manipulação e chantagem emocional).

Por isso, penso que existe algum plano de conspiração global quando conheço pessoas com quatro avós, ou quando vejo a Ana Aquini lambendo o “imprestável” #ironia do neto dela, apenas porque ele passou de ano na escola (o que, no meu mundo, renderia um “você não fez mais do que a sua obrigação” vindo da minha mãe).

No final das contas, me tornei um adulto que acabou se envolvendo afetivamente com as avós dos outros por escolha própria, afinidade e atração sexual genuína, e sou muito feliz com isso. Mas isso é uma história que vou deixar para outro artigo. Ou para o meu terapeuta. O que vier primeiro.

Muito bem, depois de escancarar parte da minha vida e do meu emocional moderadamente perturbado para pessoas desconhecidas e até para meus inimigos que agora podem manipular um recorte da minha narrativa, chegou a hora de apresentar os pontos onde a ciência explica porque as avós e os netos são tão conectados.

 

É o segredo da longevidade

Uma das diferenças mais relevantes do ser humano em relação a todos os outros animais (e um dos fatores que nos torna a raça dominante em nosso planeta) é a sua capacidade de sobreviver por muitos anos depois da idade reprodutiva. Aliás, esse foi um elemento chave de nossa evolução como um todo.

As mulheres vivem muitos anos após a menopausa, e ainda não existe uma explicação científica para isso. Porém, existe a teoria que a presença de familiares ou pessoas com vínculos afetivos por perto são incentivos para que essas pessoas se mantenham vivas e saudáveis. Afinal de contas, ter quem nos ama por perto é um ótimo motivo para continuar a viver.

E como as avós passam boa parte do tempo com os seus netos, temos aqui um motivo extremamente nobre para a longevidade das mulheres mais velhas: cuidar daquele ser mais vulnerável.

Ou seja, avós que passam muito tempo com os netos tendem a ter uma vida longa e próspera, pois o amor, o cuidado e a vontade de ter por perto aquele ser que ama de forma espontânea e sincera são autênticos combustíveis para essa longevidade.

De novo: é a ciência que está falando isso.

 

Avós são muito importantes (obviamente)

Teorias não são nada sem evidências ou provas. Então, vamos apresentar os fatos.

Um estudo publicado pela revista científica Current Biology mostra que a sobrevivência de crianças entre 2 e 5 anos de idade está positivamente correlacionada com a presença das avós em suas vidas.

Aliás, nem é preciso um estudo científico para comprovar tal teoria: nove entre dez netos sabem muito bem que viver com as avós por perto é algo simplesmente maravilhoso, pois da saúde mental e emocional até toda aquela comida maravilhosa que se come na casa daquela linda senhorinha, todos os aspectos que envolvem essa relação são absolutamente positivos.

Mas vamos voltar a falar da ciência.

Os pesquisadores descobriram que a idade e o estado de saúde geral das avós também estão associados ao dos netos: quanto mais velhas e mais frágeis são as vovós, menores são os benefícios para as duas pessoas envolvidas nesta relação.

E isso também é factível: quando a avó está em uma idade avançada, a tendência é que ela se afaste do neto que, curiosamente, deixa de ter o suporte emocional daquela relação e, eventualmente, tende a se tornar mais complexo para os pais no comportamento e nas atitudes.

Por outro lado, aquela avó vai ficando cada vez mais fragilizada e doente. E, de alguma forma, a ausência do neto tem influência direta nessa piora do quadro de saúde.

Por isso, netos que hoje preferem ficar em casa vendo séries da Netflix no final de semana estirados na cama… sejam um pouco mais humanos e visitem as suas avós mais velhinhas. A saúde dela também depende da sua presença na vida dessa senhora que demonstrou tanto amor ao fazer mingau para você quase todos os dias.

 

O estado de saúde sempre importa

Vamos continuar o tópico anterior.

Um dos resultados mais curiosos do estudo realizado pela Current Biology é que, dependendo das condições de saúde da avó, ela pode se tornar uma espécie de “competidora” para o neto.

O estudo detectou que avós que não contam com um bom estado de saúde podem ter um efeito negativo no bem-estar dos netos porque vão “competir” com as crianças os cuidados mais enfáticos que, neste caso, será dedicado pelo filho(a) da idosa (que é o pai ou mãe da criança).

O tal “efeito de competição” que as avós mais frágeis podem gerar aos netos é ainda maior quando são avós paternas, onde os cuidados ficam por conta do pai da criança que, de forma quase inevitável, deixa de dar a atenção necessária para o filho. Mas a ciência não consegue explicar por que isso acontece.

Por outro lado, avós saudáveis serão legítimas companheiras de aventura para os netos, mostrando um mundo cheio de possibilidades de diversão e lazer. E, em alguns casos, essa energia toda pode resultar em atividades um tanto quanto “extremas” (e eu estou sendo brando no uso desse termo).

Ana Aquini, uma mulher com mais de 70 anos nas costas, pernas e braços, tem a capacidade de “brincar” de “lutinha” com o seu neto que, hoje, tem 15 anos e é atleta (jogador de vôlei). Ela fazia isso anos antes, e manteve esse “hábito saudável” de usar a força física de forma relativamente exacerbada e potencialmente perigosa de tempos em tempos.

E os dois se divertem dessa forma. Mesmo com o risco de hematomas e ossos quebrados.

 

As diferentes formas de cuidados

Pais tendem a ser mais severos na educação dos seus filhos, e essa é uma regra mais do que natural. Já as avós tendem a ser indulgentes e, no caso específico de pessoas como Ana Aquini, irresponsáveis e até delinquentes, pois quando encontram o neto ligam automaticamente o modo “foda-se, minha filha; você que lute para consertar os estragos que vou promover no seu filho…”.

Outro estudo científico publicado na revista Proceedings or the Royal Society B explica esses efeitos psicológicos nas avós mais malucas. No experimento, foram analisadas as respostas cerebrais das vovós que viam imagens de duas gerações de familiares e, de forma alternada, imagens de controle. E foi observado que a resposta cerebral é mais intensa com as fotos dos netos do que inclusive com as imagens dos próprios filhos.

Ou seja, está cientificamente provado que as avós amam mais os netos do que aqueles seres humanos que ela gerou nove meses dentro do ventre. Muito provavelmente porque os netos não ficavam chutando a bexiga, não provocaram as dores do parto, não tiravam nota vermelha na escola, nunca fizeram ela sair de casa para conversar com o diretor do colégio sobre o péssimo comportamento, nunca ligaram às quatro horas da manhã para buscar um adolescente bêbado e todo vomitado na porta da balada e (pelo menos até o presente momento) nunca apareceu grávida de um cara que conheceu naquela micareta em Salvador que essa mesma avó (ou, neste caso, a mãe) insistiu para que a filha não fosse.

 

Ambiente e genética

Nem tudo depende dos cuidados de uma pessoa para outra. A genética também entra nessa equação.

A presença de algumas doenças que podem se manifestar nos primeiros anos de vida da criança por conta de uma possível origem genética pode fazer com que os vínculos entre avós e netos sejam ainda mais profundos nos aspectos comportamentais e científicos.

A bioestatística Clarice R. Weinberg publicou um artigo no American Journal of Human Genetics onde relata uma curiosa anomalia relacionada com uma maior contribuição genética da avó do que da mãe na criança.

A transferência de fenótipos da mãe para o filho ao longo da gestação fez com que a impressão genética da avó materna fosse maior do que aquela deixada pelos demais ancestrais. A diferença desse material pode não ser tão grande em relação à progenitora, mas é mais que suficiente para resultar em efeitos graves em casos de doenças com origem genética.

E isso leva ao nosso próximo tópico.

 

A herança matrilinear

Esse é um termo desconhecido pela maioria das pessoas. Eu mesmo só me deparei com essa expressão durante o desenvolvimento deste artigo. Por isso, vale a pena explicar melhor o conceito, que não é tão complicado de se entender.

A herança matrilinear existe por conta do DNA mitocondrial, que é transmitido única e exclusivamente através da mãe ou das mulheres de uma mesma família. Ao longo dos séculos, nossa sociedade estabeleceu que o pai poderia ser qualquer um: desde “o bobo do esperma” que fica falando “Talkey” a cada fake news que conta nas lives de quinta-feira até o Rodrigo Hilbert, se você tiver a sorte de um dia furar a camisinha naquela noite de bebedeira dele depois da briga com a Fernanda Lima.

Porém, a mãe é uma só. Sempre vai ser uma única mulher. Assim como a avó materna é uma só. E a bisavó materna também. E toda essa informação genética das mulheres de uma mesma família fica registrada no DNA mitocondrial.

O DNA mitocondrial proporcionou interessantes avanços em nossa sociedade. Desde revelar crimes teoricamente sem solução até descobrir como o homem das cavernas foi extinto. Logo, é fácil pensar que essa foi uma das melhores maneiras para descobrir e compreender a origem da humanidade como um todo.

Voltando para a nossa realidade.

A herança matrilinear é outro elemento que a ciência utiliza para explicar a proximidade tão intensa entre avós e netos. Ao longo do desenvolvimento da humanidade, as mulheres sempre estabeleceram um vínculo indissolúvel com os filhos, e isso fez com que todo filho (ou pelo menos a esmagadora maioria) sabe quem é a sua mãe, criando essa identidade permanente.

Da mesma forma, os netos sabem quem é a sua avó. E nem precisa de um teste de DNA ou de uma foto. As avós estão presentes na estrutura genética dos seus netos. E lá permanecerão até o último dia da vida deles.

 

Cada família é um mundo

“Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.

Com essa frase, Liev Tolstói inicia uma de suas obras mais relevantes, “Anna Kariênina”. E eu uso essa frase para terminar este artigo que, na sua maior parte do tempo foi irônico e bem-humorado, mas que agora precisa ser um pouco reflexivo.

Insistimos de forma covarde em dizer que “todas as famílias são iguais”. Na verdade, são. Porém, o sofrimento, as dores, as perdas e as tragédias são absolutamente singulares para cada pequeno núcleo de sociedade estabelecido por pessoas que decidiram passar por tudo isso juntas. Seja pelo amor, seja pela dor.

Toda família é um mundo em particular dentro de um universo formado de diferentes histórias, origens, tradições, costumes, épocas, períodos e visões de mundo. Hoje, eu tenho plena consciência que o fato de não ter uma avó por perto em uma família que era disfuncional e cheia de pequenas feridas que se tornaram chagas permanetens com o passaro do tempo me deixou mais fragilizado e sensível em aspectos emocionais que poderiam ser mais bem resolvidos se a presença desse ser se tornasse efetiva em minha vida.

Crescer em um núcleo familiar emocionalmente abusivo e, ao mesmo tempo, vitimizado foi algo complexo. Perder espaço dentro da própria casa porque suas irmãs mais velhas decidiram expandir seus núcleos familiares de forma não programada e conviver com pessoas que nunca acreditaram no seu potencial ao ponto de afirmarem categoricamente que jamais eu poderia ser alguém na vida porque “o máximo que eu me limitava em fazer na vida era escrever (e não agir)” foi um desafio gigantesco.

Mas… estou aqui, escrevendo este artigo em um apartamento no centro de Florianópolis. E vencendo na vida. No final, meus planos deram certo, apesar de tudo e de todos.

Por outro lado, posso testemunhar a relação de Ana Aquini com o seu neto, e de tantas outras avós com aqueles seres onde o amor e o desejo de estar junto se tornaram as bases de uma relação que tende a ser mais sincera, intensa e próxima. E confesso que, apesar de me sentir um pouco machucado em alguns momentos por jamais vivenciar essa experiência de forma genuína, eu compreendo de forma muito racional todo o bem que um faz para o outro.

Neste momento em que vivemos tempos de divisão por visões políticas, a indiferença à pessoas que pouco ou nada tem, o extremismo que se manifesta no ódio e na violência verbal e física, o individualismo das redes sociais e diversas questões que resultam na ameaça da saúde mental do coletivo, é fácil entender que as avós contam com um papel fundamental para que as novas gerações sejam melhores que as atuais.

Da mesma forma, os netos são importantes para essas pessoas que, em alguns casos, passaram a vida inteira se esforçando para contribuir com uma sociedade melhor e mais justa, e hoje se deparam com um cenário caótico e desolador. Ter um bom neto por perto é realimentar a esperança por um futuro com dias melhores, além de recobrar o desejo de ainda oferecer sementes que podem virar bons frutos no futuro.

No final, aceito o meu mundo imperfeito e incompleto. Apesar de todos os erros e excessos nas posturas e atitudes que hoje considero inaceitáveis, meus pais fizeram todo o possível para que eu me tornasse um adulto minimamente capaz de realizar os meus sonhos sem destruir os sonhos de outras pessoas. E serei eternamente grato a eles por isso.

Mesmo assim… o meu mundo foi incompleto. E vou ter que lidar com isso pelo resto da minha vida.

Faltaram alguns abraços. Alguns beijos açucarados. Bolos de cenoura com cobertura de chocolate, tardes casuais de videogame ou de correria no quintal, passeios no parque e na sorveteria. Algumas confissões na adolescência.

Faltou dormir no colo de alguém que estivesse disposta a dedicar os últimos dias de sua vida para tentar me proteger do tal mundo perigoso que existe do outro lado da porta.

Para Ana Aquini e todas as avós que contam com os seus netos por perto… aproveitem ao máximo essa relação. A ciência oferece provas irrefutáveis que esse amor incondicional e vínculo indestrutível não existem por obra do mero acaso. E esse momento de suas vidas é o maior legado que vocês podem deixar para eles.

Seus netos terão algumas das melhores memórias de suas respectivas jornadas existenciais. E vocês, avós, se tornarão eternas na vida dessas pessoas que vocês tanto amam.

E para os netos que estão lendo esse melancólico final de artigo… por favor, façam o que eu jamais cheguei perto de poder fazer: aproveitem ao máximo as suas avós enquanto elas estão por perto.

Beijos, abraços, piadas maliciosas, almoços com muita macarronada, danças absurdas na sala de casa, filmes, novelas, jogos de futebol e até mesmo as tristezas e decepções que você certamente vai ter. Compartilhe tudo isso com aquela pessoa que, com absoluta certeza, vai amar você de forma totalmente incondicional.

Sua avó é alguém que certamente que vai entregar para você um amor que sempre será um dos mais sinceros de sua vida.

E, acredite: você não vai querer conviver com a dor da partida dessa senhora, e o amargor da decepção em não ter aproveitado todos esses momentos quando podia.

Estamos conversados.

E, mais uma vez, a ciência não passa frio de forma alguma, pois ela sempre está coberta de razão.


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@oEduardoMoreira