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O Urso… é mesmo série de comédia?

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A série “O Urso” (The Bear) brilhou no 75º Emmy Awards (2023), conquistando 10 prêmios, incluindo Melhor Comédia. No Globo de Ouro, foi nomeada Melhor Série de Televisão, Musical ou Comédia, com três prêmios de atuação em comédia.

A produção também saiu consagrada do Critics Choice Awards, onde foi reconhecido como a Melhor Comédia, conquistando dois troféus de atuação dentro dessa categoria. E está tudo certo, pois a série é realmente excelente.

Mas… existe uma pergunta que todo mundo está fazendo depois de tanta aclamação para a produção do FX (no Brasil, exibida pelo Star+): “O Urso” deveria ser classificada como uma série de comédia?

 

Quando o drama começou a ser engraçado

Quem acompanha o mundo da televisão mais de perto sabe muito bem que o conceito de humor na televisão mudou drasticamente nos últimos 40 anos, e que mais uma transição no conceito de comédia televisiva aconteceu na última década.

Mas algumas pessoas não se deram conta disso. Ou não querem aceitar as mudanças que aconteceram.

No começo da televisão até os meados da década de 1980, o conceito de série de comédia na TV estava muito bem definido nas sitcoms, que são as comédias de situação gravadas em estúdio com plateia ao vivo e piadas com claque ou risada de fundo.

Essa era uma forma de simplificar o processo, humanizar a mecânica e dar os ganchos para o espectador de que aquilo que você acabou de ver e ouvir era algo engraçado. E que você tem que rir disso, de forma quase automática.

Na minha modesta opinião, o conceito de série de comédia começou a mudar no meio da década de 1980, com duas produções que hoje são definidas como dramédias, mas que não entravam nessa classificação no passado simplesmente porque o termo não existia: Moonligtning (no Brasil, A Gata e o Rato) e The Wonder Years (no Brasil, Anos Incríveis).

UNITED STATES – SEPTEMBER 19: THE WONDER YEARS – Season Four – 9/19/90, Pictured, from left: Jason Hervey (Wayne), Olivia d’Abo (Karen), Fred Savage (Kevin), Dan Lauria (Jack), Alley Mills (Norma), (Photo by ABC Photo Archives/ABC via Getty Images)

Curiosamente, as duas séries foram exibidas nos Estados Unidos pela ABC, um canal que sempre apostou em formatos diferenciados. É só olhar para o que o canal fez na temporada 2004-2005, estreando de uma tacada só três grandes séries com linguagens completamente diferentes: Desperate Housewives, Grey’s Anatomy e Lost.

Voltando para a década de 1980.

Moonlightning e The Wonder Years fugiram do formato de comédia tradicional. A primeira tinha episódios de 60 minutos, e contava com piadas inteligentes e muito divertidas, mas era produzida no formato de drama investigativo. Já a segunda contava com 30 minutos, mas tem um humor mais sutil e vários episódios que te desidratam de tanto chorar.

As duas séries foram indicadas no Emmy Awards como comédias, pois contavam com piadas que faziam a audiência rir em algum momento. Logo, não poderiam ser classificados como dramas tradicionais.

E aqui, foi plantada uma semente. Um embrião para o próximo passo.

 

A era dos mockumentários

As sitcoms seguiram dominando nas décadas de 1990 e 2000 nos Estados Unidos. Tanto, que as duas maiores comédias da história foram exibidas neste período e são comédias de claque: Seinfeld e Friends.

Sem falar em todas as outras séries que dominaram as premiações e a audiência da TV que eram sitcoms clássicas, como Everybody Loves Raymond, That 70’s Show, Will & Grace, The Drew Carey Show e várias outras comédias lendárias. Todas em formato “tradicional”.

Mas… no começo dos anos 2000, grandes mudanças chegaram na TV norte-americana, reforçando a mudança iniciada na década de 1980 para o formato de comédia de situação.

Além dos reality shows, o início do novo século foi marcado pela estreia dos mockumentários que, por sua vez, embarcaram na popularidade do desejo das pessoas em assistirem a realidade na televisão.

Mockumentários são séries de comédia cujo formato emula (ou simula) um documentário, mas com todos os seus elementos devidamente roteirizados (com a liberdade para alguns improvisos do elenco), sempre com o foco no humor mais inteligente.

No lugar das risadas de fundo, encontramos as quebras de quarta parede. O humor era mais ácido ou absurdo, e os ganchos para as piadas eram menos óbvios. Os roteiros eram mais elaborados, e apostavam na capacidade do telespectador em melhor interpretar aquela situação diante dos seus olhos.

O resultado disso foram séries simplesmente excepcionais e disruptivas. E essa nova era começou com dois clássicos: Malcolm in the Middle e Arrested Development, ambas exibidas pelo canal FOX nos Estados Unidos.

As duas séries iniciaram uma nova fase na televisão, com outras grandes comédias chegando ao mundo, como The Office e Parks and Recreation. E isso porque não podemos incluir nessa lista 30 Rock, que não é exatamente um mockumentary, mas foi um marco na televisão ao apostar no formato mais diferenciado para contar suas histórias.

Então, a comédia na TV norte-americana passou por mais uma evolução. Necessária, por sinal.

 

Afinal de contas… onde o “O Urso” se encaixa em tudo isso?

“O Urso” é fruto de mais uma evolução das comédias na TV norte-americana: a chamada “seriocômica”.

Para começar, “O Urso” não tem uma regra previamente definida sobre a duração dos seus episódios. Tudo vai depender da trama e dos temas a serem abordados na narrativa. E só por isso ela já tem um perfil diferente das demais produções de comedia.

“O Urso” tem episódios que variam entre 29 e 40 minutos, com exceção de “Fishes”, que ultrapassou uma hora de duração. Mas não devemos estabelecer a classificação dessa série apenas e tão somente pelo tempo de duração dos episódios.

Seu produtor executivo, Josh Senior, destaca “O Urso” como um espelho de nossas vidas, que sempre se alterna entre momentos engraçados e mais sérios. Essa relação mais complexa entre os personagens é o que torna a série tão diferente do convencional.

A mesma regra se aplica à “Barry”, série da HBO que flutua entre o trágico e o cômico o tempo todo, divertindo pelas ironias da vida e desencontros das situações.

Senior afirma que, embora a série tenha aproximadamente meia hora, o objetivo é contar verdades e evocar emoções, sem controlar se as reações são risos ou lágrimas. A ideia é deixar tudo muito orgânico e dentro dos critérios do espectador.

Já Ebon Moss-Bachrach, vencedor do Emmy e do Critics Choice Awards como ator coadjuvante, opina que as categorizações precisam ser revistas diante do sucesso de dramas como “O Urso”. Ele sugere que conceitos ultrapassados sobre comédia e drama precisam ser repensados, algo que faz todo o sentido diante da evolução das séries cômicas na televisão.

Outros dois exemplos dessa perspectiva estão justamente nos demais vencedores do Emmy Awards 2023 nas categorias de Limited Series e Drama. Para muitas pessoas, TRETA é uma comedia, e Sucession teve vários momentos de humor negro em sua narrativa.

Ebon ainda destaca a busca de “O Urso” por refletir a bagunça humana, profundamente hilária e sofrida, e entende que esse é um enorme desafio para seus produtores e também para a audiência que tenta compreender qual é a da série.

O mais importante de tudo isso é que “O Urso” quebra com a ideia de se estabelecer rótulos e não quer se definir ou se categorizar. Sua missão é oferecer o protagonismo da complexidade da experiência humana.

Sempre arrancando risos e lágrimas, e se conectando com todos os tipos de público. Ou com um grupo seleto que compreende o seu caos.


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